Recebemos neste sábado a notícia de que o Botafogo deixou a Libra e, a princípio, irá negociar seus direitos de transmissão de maneira independente. Quem me acompanha há mais tempo no “Fala Fogão” sabe que sempre fui extremamente cético em relação à efetiva criação de uma Liga gerida pelos clubes e não pela CBF. Não preciso nem dizer que toda a minha desconfiança sempre foi baseada no simples fato de acompanhar o futebol brasileiro de perto e, mais do que isso, de acompanhar a mentalidade dos dirigentes brasileiros em geral.
Infelizmente, nosso futebol é gerido por mandatários cujos interesses pessoais sempre estão acima dos interesses coletivos. Os dirigentes da CBF e dos clubes estão sempre pensando de maneira imediatista e com o claro intuito de agradar suas bases de sustentação. Em outras palavras, a CBF está sempre buscando uma maneira de privilegiar as federações estaduais (que fornecem votos nas eleições!) e os clubes estão sempre buscando maneiras de beneficiar correntes internas, que, por sua vez, fazem de tudo para obter vantagens em troca de reeleições e favorecimentos.
Falei tudo isso para dar um panorama geral sobre o contexto no qual o bilionário americano John Textor precisa sentar à mesa para negociar seus interesses. Morando nos EUA e trabalhando em uma empresa multinacional americana, consigo imaginar o quão surreal deve ser para o Textor lidar com o nível dos que comandam nosso futebol. Entendo perfeitamente quando ele afirma não ter mais paciência para esperar pelas definições fundamentais que nunca chegam. A mentalidade de um empresário americano do porte dele é essencialmente voltada para a criação de soluções para os mais variados problemas e complexidades, sendo que a “razão” é um elemento que norteia todo e qualquer tipo de pensamento e ação no ambiente em que nosso investidor majoritário vive.
Textor sabe que possui em mãos uma empresa extremamente deficitária, que demanda altos investimentos para se tornar competitiva em seu mercado e que, no momento, gera uma receita orgânica muito abaixo do necessário para que o negócio seja economicamente sustentável. Naturalmente, a SAF Botafogo precisa de uma solução melhor e mais bem estruturada para o modelo de comercialização dos direitos de TV, pois essa é uma receita fundamental e que tem um peso no orçamento capaz de mudar os objetivos financeiros e esportivos do clube no curto e médio prazos.
Dentro do cenário descrito acima, me parece razoável dizer que a postura da SAF Botafogo foi tentar agregar à discussão entre os clubes todo o conhecimento internacional de Textor e, com isso, contribuir para que um modelo que supere as divergências clubistas e egocêntricas seja alcançado. Acontece que o John parece ter chegado ao ponto em que é preciso tomar uma atitude firme para, quem sabe, “desatar alguns nós”.
Eu vejo as falas mais recentes dele não como uma ruptura, mas como uma tentativa de trazer para as negociações uma urgência maior e a necessidade de um entendimento mais amplo entre os dirigentes. Textor sabe que uma negociação em bloco é melhor para todos, mas ao explicitar a possibilidade de colocar todo seu conhecimento a serviço apenas do Botafogo, ele pode acabar plantando uma semente de dúvida nos dirigentes amadores e, com isso, fazer com que o assunto ganhe mais tração. Caso não haja um entendimento geral, o Botafogo estará em uma posição privilegiada, pois seu acionista majoritário sabe o que precisa ser feito e, mais importante, sabe como fazer.
Estamos presenciando um claro embate entre a gestão amadora do futebol brasileiro e a gestão mais moderna/profissional trazida pelas SAFs, o que, no final do dia, é um momento histórico por si só. Sempre sonhei com o momento em que o futebol brasileiro seria efetivamente discutido, mesmo sabendo que a mudança do status quo é algo extremamente complexo em nosso cenário doméstico.
Acredito sinceramente que o Botafogo está adotando uma postura exaustivamente pensada e devidamente embasada, pois Textor é um empresário bastante experiente e sabe que qualquer decisão precipitada/equivocada terá um impacto muito forte em seu próprio bolso.
No momento só nos resta acompanhar as cenas dos próximos capítulos e torcer para sairmos fortalecidos, seja qual for o resultado final das negociações entre os clubes.