1912: o ano trágico que nos moldou; O que o Botafogo de hoje pode aprender com o de ontem

Elenco em Botafogo x Madureira | Campeonato Carioca 2024
Vítor Silva/Botafogo

A torcida do Botafogo está bem magoada. O que ocorreu na reta final do Brasileirão de 2023 deixou feridas bem grandes que levarão um tempo para cicatrização. E cada pessoa encara de sua própria forma. Não existe certo ou errado.

Na estreia do Carioca houve alguns protestos: vaias direcionadas a alguns jogadores durante o 2º tempo quando o time não jogava bem e faixas com críticas aos mesmos jogadores e à rede multiclubes. Tudo dentro das “regras do jogo”: sem ameaças, quebra-quebra, etc.. Isso é natural e era esperado. Acredito que torcedores têm o direito e dever de mostrar sua insatisfação com o que acham errado, mesmo em pontos que eu possa discordar.

Não existe xerife de torcida como muitos querem se impor nos dividindo. O botafoguense historicamente se une nos momentos difíceis, mesmo com pensamentos opostos. Seja na fusão de 1942, jejum dos 21 anos, políticos de diferentes partidos na volta para General Severiano na década de 90 ou no ano em que mais chegamos perto do fim: 1912.

No Carioca de 1911 em partida contra o América houve uma briga generalizada, após provocações dos jogadores Rubros. A liga decidiu punir nosso craque Alberto Delamare com 1 ano de suspensão e aplicou algumas sanções a dirigentes. O Botafogo em solidariedade ao seu atleta se desfiliou da liga abrindo mão de um muito provável bicampeonato. Além disso, o proprietário do terreno em que ficava situado o nosso campo da Voluntários da Pátria decidiu encerrar o contrato. Assim ficamos sem estádio e sem campeonato para jogar em 1912.

O ano de 1912 iniciou sem termos estádio, sem campeonato para jogar e com o número de sócios despencando. Houve um período em que só tínhamos 12 sócios adimplentes. A situação ficou tão grave que foi convocada uma reunião dos remanescentes para encerrar as atividades do clube, que felizmente não ocorreu. Todos os jogadores se uniram e com sondagens de outros clubes da cidade permaneceram no Botafogo, mesmo sem campeonato para jogar. Organizamos um campeonato paralelo com clubes do subúrbio e os sócios restantes foram atrás de um novo campo. Primeiro analisaram um terreno no inicio de Copacabana, mas pela facilidade de negócio e localização conseguiram a nossa nova casa até os dias atuais: General Severiano.

O grande Alceu Mendes, maior historiador botafoguense, descreve assim os acontecimentos de 1912:

“O Botafogo passou em 1912 o mais terrível ano de sua existência e sobreviveu graças à dedicação fanática e ao heroísmo de um pequeno grupo de sócios…
… Foi aí que se formou a mística alvinegra, que faz do verdadeiro botafoguense um torcedor absolutamente diferente dos outros, dedicado até ao sacrifício ao pavilhão de seu clube, seja qual for a situação, esteja ele altaneiro no mastro da vitória, ou paire nos campos da desgraça.” (“O futebol no Botafogo de 1904 a 1950” – Alceu Mendes)

35 anos após o acontecido, o brilhante jornalista Mario Filho escreve como os fatos moldaram o “modo de ser” botafoguense:

“- Já em 1911, era tal a consciência de clube que animava todos os botafoguenses, que foi possível ao Botafogo ficar sozinho, jogando em peladas, sem perder um só jogador. O que surpreende naquele fato, quase esquecido, mas que define o Botafogo, que o explica antes e depois, não é o gesto de solidariedade a um jogador… Nenhum outro clube, porém, arriscaria a sua existência por causa de um jogador. O Botafogo não hesitou um só momento…
… Isolando-se em 1911, o Botafogo ficou mais Botafogo. Quem era Botafogo, compreendeu porque era Botafogo, ficou sabendo porque não podia ser nenhum outro clube. Eis o que dá ao Botafogo uma fisionomia própria, única.
Ser Botafoguense é mais do que pertencer a um clube, a um grande clube, cujas fronteiras, muitas vezes, transcendem os limites naturais, é pertencer a uma classe. Ou melhor, a uma casta, com o seu tipo humano especialíssimo, inconfundível”. – (Jornal dos Sports, 12 de agosto de 1947).

Como chegamos até aqui nunca pode ser esquecido. Inclusive, senti falta ano passado de qualquer lembrança aos 75 anos do 1º título carioca do Botafogo como Futebol e Regatas em 1948. E, particularmente, gostaria até que na camisa tivesse o quadrado nas costas com o numero ao centro, 1948 foi a 1ª vez que tivemos numeração, e foi nesse formato. O calção branco deixaria passar.

A nossa história sempre foi escrita por união em momentos de caos. Podemos ter pensamentos divergentes como os políticos do início dos anos 90, que se uniram para voltarmos a General Severiano. Mas nunca devemos deixar qualquer pensamento oposto nos dividir como botafoguenses. Queremos a mesma linha de chegada, cada um do seu jeito, fugindo de rótulos rasos como “agente do caos” ou “passa pano”. O farol de vigia sempre deve estar aceso.

O Botafogo já abriu mão de título e arriscou a sua existência para fazer o que achava certo, mas o botafoguense nunca abriu mão do Botafogo em qualquer situação.

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