No dia 8/9/1968, 125 mil pessoas no Maracanã, o Botafogo enfrentava o rival da Lagoa pela última rodada da Taça Guanabara, que ocorreu logo após conquistarmos o campeonato estadual com uma goleada de 4 a 0 sobre o Vasco. A partida contra o Simpaticíssimo era crucial, pois ambos os times estavam empatados em pontos e o rival ainda tinha um jogo pendente contra o Bonsucesso. A partida foi tensa e terminou empatada em 0 a 0. O Botafogo, afetado pelo cansaço de jogos anteriores, não teve um bom desempenho no segundo tempo. Com o resultado, o time da Lagoa precisava de apenas mais um empate contra o Bonsucesso para ser campeão, o que levou sua torcida a começar as comemorações antecipadamente.
Com canto de “Cadê a Seleção? O Fla é campeão”, a torcida rival iniciou a comemoração. Na edição do dia seguinte, o Jornal dos Sports descreveu a festa: “Quando Armandinho esticou o braço com o dedo mindinho apontado para o alto, jogadores e toda a torcida rubro-negra iniciaram a comemoração da conquista do título da Taça Guanabara. Em questão de instantes, logo vários jogadores ficaram sem camisas – valentemente disputadas por torcedores – e comandados por Onça partiram para uma volta olímpica sob os aplausos da torcida do Flamengo.”
Na mesma edição pós-jogo, matéria intitulada “Bichão sai hoje”, o JS informava que o rival iria pagar o melhor bicho possível aos seus “campeões”. Era a festa completa para a mídia, matérias nos jornais falando em massacre rubro-negro, “Cao (goleiro do Fogão) evitou uma goleada” etc… Tudo que a mídia carioca gosta.
Na quarta-feira, o Simpaticíssimo enfrentaria o Bonsucesso no jogo que havia sido adiado. Manchetes como “Fla faz carnaval, a ordem é ir ao estádio” dominavam os jornais.
Enquanto isso, o Botafogo partia para Goiânia para um jogo amistoso. O Jornal do Brasil noticiou a viagem da equipe na matéria intitulada “Botafogo viaja para Goiânia sem Rogério e Cao”. Por sua vez, o Jornal dos Sports destacou o embarque do time em sua capa.
Mas o mundo dá voltas. O rival da Lagoa acabou perdendo para o Bonsucesso por 2 a 0, o que levou à necessidade de um jogo desempate contra nós. O Botafogo foi informado sobre o revés do rival ainda nos vestiários: “Logo depois de derrotar a equipe do Goiânia por 2 a 1, os jogadores do Botafogo fizeram um verdadeiro carnaval em seu vestiário ao saberem da notícia da vitória do Bonsucesso. Até o treinador Zagallo participou da explosão de alegria, declarando que ‘ri melhor quem ri por último’ e acrescentando que o Botafogo estaria em totais condições de ser campeão” (Jornal do Brasil, 12/9/68).
O Botafogo retornou ao Rio de Janeiro com urgência, e a partida decisiva foi agendada para a quarta-feira seguinte, 18/9. E o bicho, vocês sabem, é certo! Na véspera do jogo, último treino em General Severiano, O Jornal dos Sports noticiou que algumas figuras históricas do nosso clube foram incentivar os jogadores. Tarzã, líder da torcida alvinegra, proclamava que era mais fácil fazer uma guerra contra EUA e URSS simultaneamente do que vencer o Botafogo na final. Neném Prancha, conhecido como o maior filósofo do futebol, fez questão de dizer que permaneceria na arquibancada por um longo período após o jogo, apenas para ver o rival da Lagoa realizar a volta olímpica de marcha-à-ré. A frase pegou!
No dia do jogo, Zagallo, supersticioso, encontrou uma mensagem em uma tampa de refrigerante que tomou na concentração. A mensagem dizia: “Quarta-feira é o seu dia de sorte”. Os jogadores insistiram e ele levou a tampa como amuleto para o jogo. A final foi “mamão com açúcar”: 4 a 1, com gols de Zequinha, Roberto e dois de Gérson, fora o baile. Gerson revelou em entrevista após o título que o árbitro Armando Marques proibiu o time do Botafogo de tocar a bola para aplicar “olé” no rival. A humilhação estava completa.
Os jornais buscavam explicações e responsáveis pela derrota do rival, apontando para o técnico, o presidente ausente, Fio, e Onça, que liderou a volta olímpica fajuta. Enquanto os botafoguenses zombavam até não poder mais.
No registro desse episódio, o tratamento da imprensa com o Botafogo é um caso à parte. Certas situações não acontecem somente atualmente, mostrando um método histórico de tratamento dispensado ao Glorioso. Segue a carta enviada ao Jornal dos Sports pelo leitor Lineu, de Recife-PE, logo após a conquista do título: “Sou botafoguense, como muitos neste Recife. Há longos anos sou leitor assíduo desse conceituado jornal, e como o admirava na época do saudoso Mário Filho. De uns meses para cá venho notando algo que a muitos tem causado certa estranheza. Desculpe se estou vendo demais, mas parece haver uma psicose desse matutino com o Flamengo. É mengo mesmo, e só se fala de mengo. Vejo com tristeza o tratamento que esse jornal dá ao alvinegro depois de tantas e tantas glórias conquistadas. Imaginem se fosse o Flamengo ganhando. Nem é bom falar (…) A esses cidadãos que não conheço peço que deixem essa neurose, pois tenho certeza de que o Botafogo teria uma torcida tão grande quanto a do rival se contasse com metade dessa propaganda.”