A decisão judicial divulgada nesta quinta-feira (27/11) representa mais uma derrota silenciosa para o Botafogo, tal como foram a venda de General Severiano e o fechamento do Estádio Nilton Santos. A Justiça aceitou o pedido do clube social para criar o papel de “poder moderador” da SAF, gerando uma distorção institucional que ameaça a estabilidade do projeto e o futuro do futebol alvinegro.
A partir desta decisão, o clube social, dono de apenas 10% das ações, passa a ter influência direta em decisões estratégicas, inclusive na venda de jogadores. É o retorno de um fantasma que o torcedor acreditava superado. Um retrocesso embrulhado no discurso de proteção.
O processo judicial nasce da crise envolvendo John Textor, Eagle e Ares. É verdade que a situação da Eagle preocupa. É verdade que as dívidas e disputas societárias envolvendo Botafogo e Lyon levantam, no mínimo, preocupações legítimas. São questões que exigem vigilância, cobrança e fiscalização séria para resguardar o clube. Porém, nada disso justifica manobras jurídicas travestidas de “boa-fé”. Crise não pode ser porta de entrada para intervenção oportunista.
De acordo com recente entrevista de Carlos Augusto Montenegro para a Rádio Tupi, hoje o principal porta-voz do clube social, a motivação da ação está em boatos recentes surgidos durante a briga societária: “ouvi dizer” que Textor compraria um clube inglês da segunda divisão e enviaria para lá os maiores ativos do Botafogo. Somou-se a isso a insatisfação com a situação financeira da SAF, dúvidas quanto o pagamento de obrigações, enquanto surgiam notícias de investimentos de Textor no exterior.
Tudo baseado em rumores. Nenhuma prova concreta. Nenhum indício real. Mais uma vez, o velho “ouvi dizer”, que não põe nem cachorro na carrocinha, virou argumento jurídico.
E esse é o ponto mais preocupante. Em vez de fortalecer a governança existente na SAF, preferiu-se judicializar o conflito. O Botafogo agora projeta ao mercado exatamente o que espanta qualquer investidor: insegurança jurídica.
É o mesmo filme que destruiu a credibilidade do Vasco. É o mesmo roteiro que afasta capital, mesmo se Textor sair. A mensagem transmitida é simples e devastadora: “Se eu não concordar, tomo de volta.”
Curiosamente, essa intervenção parte justamente de quem deixou ao Botafogo uma dívida bilionária e que nunca sofreu uma intervenção judicial para “proteger” o clube de suas próprias gestões catastróficas. Agora, apresentam-se como salvadores da instituição.
A governança da SAF já prevê auditorias, Conselho Fiscal, Conselho de Administração e diversos mecanismos de controle. O representante do clube social no conselho de administração é Durcesio Mello, indicado pelo próprio grupo político que lidera a contestação atual. Mas sobre essa incoerência ninguém fala. Parcerias antigas e conveniências políticas costumam explicar silêncios.
O caminho deveria ser fortalecer os mecanismos já existentes, não acionar a Justiça e abrir um precedente que poderá ser usado contra qualquer investidor, em qualquer crise, a qualquer momento. Contrato é lei entre as partes, e não pode ser deixado de lado como quem troca de meia.
A porta foi aberta e cada momento de instabilidade poderá se transformar em justificativa para nova intervenção. O Botafogo, que finalmente parecia ter reencontrado um rumo, profissionalização e racionalidade administrativa, assiste novamente ao ressurgimento de seu maior inimigo: ele mesmo.
A decisão de hoje não representa uma vitória do Botafogo. É uma derrota profunda, estrutural e silenciosa, como foram a venda de General Severiano e o fechamento do Nilton Santos.









