Amanhã o Botafogo estreia no primeiro Mundial de Clubes da FIFA. Um torneio novo, moderno, globalizado, com cara de streaming e hashtag. Mas o Botafogo é o clube mais tradicional. E não é da boca pra fora. A tradição do Glorioso vive em detalhes, símbolos, superstições e… números.
Hoje em dia, nenhum time mais usa a numeração de 1 a 11, como nos tempos em que lateral era lateral, atacante era atacante e volante era o cara que desarmava — não o que lançava. Agora os jogadores escolhem números altos: às vezes pelo dia de nascimento, às vezes por superstição de vestiário, ou só pra parecer estiloso mesmo. Acontece. Faz parte dos tempos.
Mas, em um clube como o Botafogo, certos números não deveriam estar disponíveis como se fossem qualquer coisa. Alguns são mais que algarismos. São relíquias. São história estampada em tecido.
O número 06, por exemplo. O manto de Nilton Santos. A camisa que carrega, abaixo do escudo, a assinatura eternizada do nosso ídolo. E justo no ano do centenário de Nilton, a 06 simplesmente não estará em campo. Patrick de Paula, que a escolheu, nem viajou para os Estados Unidos e sequer participará do torneio. Questões técnicas, ao que tudo indica.
Nada contra o Patrick — torço muito pela recuperação dele e que reencontre o caminho no Botafogo ou em outro lugar. Mas confesso que me incomoda ver a camisa do Nilton Santos ausente no maior torneio que jogaremos em muito tempo, como se fosse apenas mais uma numeração aleatória que ficou sem dono.
Talvez eu esteja sendo saudosista. Ou ranzinza mesmo. Mas tem camisa que não deveria ser escolhida por alguém. Tem que ser o contrário. É ela que escolhe. Como um mantra que a torcida já incorporou: “não escolho, fui escolhido.”
Você tem que merecer a 06. Ganhar o direito. Pelo currículo, pela bola jogada, pela postura, pelo que representa em campo. Como foi com Júnior Santos e Luíz Henrique no ano passado, que poderiam muito bem ter usado a 07 com honra — como o Pantera, aliás, fez. Ou como Alex Telles agora, que pela experiência e identificação, talvez pudesse ser o nome certo para a 06 no Mundial.
Seria bacana ele poder dizer um dia: “no Botafogo, tive a honra de ser escolhido para vestir a 06 de Nilton Santos.”
Por que não uma política simbólica no clube? Nada de aposentadoria oficial, que nem sempre funciona. Mas um certo cuidado. Um critério. Uma semi-aposentadoria, por assim dizer. Um gesto de respeito à história. Deixa a camisa à venda sem nome na loja. Lá, quieta, esperando o jogador certo ser escolhido por ela.
A gente está indo disputar o mundo com o peito aberto, mas tem coisa que é só nossa. E precisa ser preservada.
Nilton Santos não vai estar em campo amanhã. Mas sua camisa deveria.