O que é de direito do Botafogo: Rio-São Paulo, a história que tentam apagar

Botafogo campeão Rio-São Paulo 1962
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O filósofo irlandês Edmund Burke disse: “Quem não conhece a história está fadado a repeti-la.” A frase resume bem o que acontece com o futebol brasileiro, que insiste em ignorar o próprio passado.

Nesta semana, federações do Nordeste pediram à CBF o reconhecimento do antigo Torneio Norte-Nordeste, dos anos 1960, como Campeonato Brasileiro. Alegam que, por o Brasil ser um país continental, o torneio era paralelo ao principal da época. Segundo o Estadão, o movimento conta com apoio político do atual presidente da entidade.

Mas títulos não se reconhecem por política, e sim por mérito esportivo. E esse debate abre uma oportunidade para o Botafogo lutar pelo que é seu: o reconhecimento do Torneio Rio-São Paulo como parte da linhagem oficial do Campeonato Brasileiro.

A linhagem do nosso campeonato nacional é clara. Ela não nasce na Taça Brasil, como a CBF oficializou, mas sim no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o velho Rio-São Paulo. Foi a partir da evolução natural do futebol brasileiro, em 1966, que o torneio se transformou no Robertão, incorporando clubes do Sul, de Minas e de Pernambuco, até chegar ao formato nacional que conhecemos hoje.

Esse processo é idêntico ao que ocorreu com o Intercontinental, que começou como um duelo entre o campeão europeu e o sul-americano e, com o desenvolvimento do futebol mundial, passou a incluir clubes de todos os continentes. A lógica é a mesma: a história evolui, não nasce pronta.

E o futebol brasileiro seguiu esse mesmo fio condutor. Basta olhar para as seleções campeãs do mundo em 1958 e 1962. Todos os jogadores atuavam em clubes do Rio e de São Paulo. Bangu e Portuguesa-SP tinham atletas convocados, enquanto Cruzeiro e Grêmio, por exemplo, ainda não tinham esse peso. Já na Copa de 1966, surgem nomes como Alcindo (Grêmio) e o genial Tostão (Cruzeiro), reflexo direto da ampliação do eixo vista pelo Roberto Gomes Pedrosa.

Quando a CBF reconheceu a Taça Brasil como Brasileirão, usou como argumento o fato de o torneio dar vaga na Libertadores. Mas isso não se sustenta: Santos (1965, 1968), Botafogo (1968) e Palmeiras (1969) foram campeões e não jogaram a Libertadores no ano seguinte, mesmo podendo. Se nem os clubes viam a Taça Brasil como o principal torneio nacional, por que forçar essa narrativa?

Jornalistas como PVC (versão ESPN) e Alberto Helena Jr. já defendiam que o reconhecimento deveria vir da linha do Rio-São Paulo, e que a Taça Brasil fosse tratada como o que realmente foi: uma competição de copa, nos moldes da atual Copa do Brasil.

O Botafogo não lutou como deveria lá atrás. Agora, uma nova janela se abre. André Silva, vice de futebol do clube, esteve na diretoria durante aquela primeira leva de reconhecimentos e, segundo quem o conhece, é um homem gentil e apaixonado pelo Botafogo. André, não deixe essa chance escapar novamente. Sabemos que há problemas urgentes fora de campo, mas oportunidades históricas não esperam.

Isso vale para a SAF. Ainda que eu não conheça ninguém da gestão, é fundamental que o tema receba apoio institucional. Hoje, a SAF parece ter boa relação com a presidência da CBF, e deve usar essa proximidade em prol da verdade histórica.

Esse reconhecimento não é só pelo Botafogo. É um gesto de justiça com o futebol brasileiro, que precisa ser contado de forma correta antes de 1966. São três títulos do Botafogo, dois do Vasco de Vavá, dois do Fluminense, todos parte da mesma linhagem que deu origem ao Campeonato Brasileiro.

E não podemos esquecer 1931, a Copa dos Campeões vencida pelo Botafogo. O Galo conseguiu recentemente o reconhecimento do torneio de 1937, e fazer o mesmo por 1931 é fazer justiça à geração de Carvalho Leite, que conquistou cinco estaduais em seis anos, uma das mais dominantes da nossa história.

Quem torce o nariz para esse debate, normalmente, são os clubes que nada ganharam naquela época. Os mesmos que desejam impor a narrativa que o futebol brasileiro começou em 1971, quando o Brasil já era o País do futebol e tricampeão mundial. E seus representantes na imprensa, influencers travestidos de jornalistas, seguem repetindo o discurso raso do “título de fax”, pura abobrinha de quem nunca soube o que é fazer história.

O Botafogo precisa lutar pelo que é seu, porque história não se inventa, se reconhece.

Reconhecer o Rio-São Paulo como Campeonato Brasileiro é fazer justiça a Garrincha, Nilton Santos, Didi, Amarildo, Zagallo, Manga, Quarentinha e tantos outros gênios que elevaram o futebol brasileiro ao topo do mundo. Eles ganharam tudo o que podiam, mas ainda tentam apagar o contexto da época.

E se Burke tinha razão ao dizer que quem não conhece a história está fadado a repeti-la, que o Botafogo, desta vez, aprenda com o passado e não repita o erro de deixar que tentam apagar o que é de direito do Glorioso.

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