Antes de tudo, cabe aqui salientar a importância de um treinador ser convicto. É claro que também é necessário ser maleável para entender os contextos que um esporte como o futebol te entrega, mas, sem dúvidas, o “Mister” alvinegro demonstrou uma enorme confiança no casamento das características do elenco e sua ideia de jogo.
Contra LDU e Cruzeiro, ainda tivemos resquícios de uma equipe fisicamente ainda desequilibrada e com atletas de desequilíbrio ofensivo carecendo de ritmo de jogo, como Jeffinho e Luiz Henrique. Além disso, carente também de noções de coberturas defensivas, algo extremamente importante para qualquer esquema, mas principalmente em um que busca ter 4 atacantes de origem em campo. No jogo em Minas Gerais, conseguimos demonstrar durante um momento da segunda etapa a pressão pós-perda que Artur Jorge deseja, gerando inclusive uma grande oportunidade perdida por Jeffinho.
Fase defensiva
É claro que devemos observar a conjuntura dos últimos 3 jogos: adversários inferiores tecnicamente com pretensão de jogar em contra-ataque. Ou seja, era mais que necessário que o Botafogo estivesse bem preparado para saber como lidar com defesas baixas e transições rápidas dos adversários, alimentando um comportamento de pressionar alto e recuperar a bola o mais rápido possível.
Na pressão alta, vimos um padrão de buscar encaixar a marcação desde o tiro de meta. Os dois avançados pelo centro individualizam nos zagueiros, os alas colam nos laterais e um dos meias centrais sobe para pressionar o volante. Se outro meia adversário desce para apoiar a saída de bola, o outro volante também sobe e a última linha acompanha.


Exemplo de variação contra o Universitario, em que o adversário saía a 3 e puxava apenas um volante para a saída de bola. Eduardo, que teoricamente seria o avançado central junto a Júnior, baixa para marcar o volante, ele não aparece no frame, mas a seta o representa (abaixo).

Com o adversário já ocupando o nosso campo de defesa, temos alguns ajustes. Partindo das bases 4-4-2 ou 4-1-4-1 (quando um dos atacantes desce ao lado de um volante e um volante fica entrelinhas), vemos os atacantes variando na hora de cobrir a lateral do campo, estratégia de Artur para que nenhum fique muito exausto por ter essa obrigação defensiva o jogo inteiro. Desta forma, os laterais combatem menos vezes no 1×1 por se aproximarem dos zagueiros e esperarem uma cobertura chegar na zona da bola. Outra importância dos atacantes é gerar superioridade no corredor central, saindo da lateral do campo para aumentar o contingente junto aos volantes.


Outro fator essencial é a pressão pós-perda. Esta acontece também em decorrência de uma fase ofensiva mais bem organizada, visto que a equipe acumula jogadores ao redor da bola. Mas o grande ponto para Artur Jorge foi ter melhorado a percepção dos jogadores acerca da cobertura antes mesmo da bola ser perdida e a regra de ação mais bem definida em todos os setores, hoje não vemos mais com frequência uma equipe em dúvidas sobre qual atitude tomar nessa circunstância.
O primeiro volante: Danilo Barbosa e Gregore tem funções essenciais. Danilo é mais completo como volante, consegue armar e sair curto com qualidade, além de se impor em duelos pelo alto e fazer boas coberturas defensivas. Mas Gregore é justamente o fortalecimento de elenco que faltou ao Botafogo em 2023, tem suas dificuldades na construção, mas é extremamente competente nas perseguições que precisa fazer no momento defensivo e comete as faltas necessárias para frear transições.
Formando sociedades no meio, Artur combina as características dos volantes para que nunca se perca a combatividade e criatividade. Por isso o rodízio dos “camisas 5” precisa ser muito bem feito. E não apenas no meio, a sociedade Halter e Bastos tem se tornado mais segura, onde claramente a agilidade de ambos ao cobrir os laterais foi um dos fatores determinantes para que fossem testados juntos.
Fase ofensiva
Com um elenco tão qualificado, acertar a parte ofensiva não seria o maior desafio do treinador português, mas preciso destacar a maneira como tem conseguido potencializar as qualidades de todos com trocas de posições intensas. Além disso, trabalhar a paciência para construir, tentar atrair e depois infiltrar foi de extrema importância, visto os adversários que enfrentamos.
Para detalhar a fase ofensiva, é necessário falar sobre as características e funções dos principais atacantes de lado:
Júnior Santos – Dono de um físico impressionante, tem capacidade e responsabilidade de recompor pelos lados e liberar os pontas, fazer pivôs em bolas longas (vide gols contra o Universitario) e atacar o espaço nas costas da zaga. O melhor atacante em solo brasileiro atualmente, cada vez mais completo, facilita o trabalho de qualquer treinador hoje por reunir diversas características essenciais para a posição.
Luiz Henrique – Ainda entrando no ritmo da equipe, tem uma ótima capacidade de buscar a linha de fundo apesar de ser um extremo invertido, forte na proteção da bola. Também possui um padrão de movimento, em que busca o “bico” da área e corta para a esquerda, fazendo um cruzamento no meio-espaço (entre a zaga e o goleiro) ou nas costas do lateral oposto. Utilizado para compor o lado direito, mas aparece diversas vezes como mais um meia (vide participação em gol contra Universitario).
Savarino – O atacante mais próximo da maneira como Eduardo constrói e ataca os espaços. Tem sido potencializado atuando mais como segundo atacante, auxiliando na pressão alta e apoiando a construção pelos lados, muito dinâmico, sempre buscando associações e passes em profundidade. Gosta muito de pisar na área, participando com e sem bola, como foi no gol de Jacob Montes contra o Juventude, em que arrasta um defensor e deixa a bola passar para o meia marcar.
Jeffinho – Ainda carecendo de um entendimento defensivo maior, também faz movimentação similar com a de Luiz Henrique: ocupar a lateral mas entrar no corredor central para gerar volume. Na pressão alta, tem capacidade de desarmar com frequência e ofensivamente agrega atacando o espaço nas costas da defesa, precisa evoluir a última decisão. A tendência é se tornar reserva pelo momento ruim, mas há muita falta de confiança envolvida nisso.
Com as características e funções citadas, Artur Jorge busca fazer um rodízio não apenas para potencializar cada atacante, mas também para confundir a defesa adversária. Isso só ocorre devido aos laterais serem responsáveis por gerar apoios por fora e por dentro, assim os pontas não ficam restritos a jogar em apenas uma zona. Este modo de atacar também torna a equipe menos suscetível a sentir falta do apoio do centroavante na construção, já que todas as peças sempre estão em constante movimento.
Primeiro exemplo, início do gol contra o Atlético-GO, apenas Tiquinho está na sua posição original. Enquanto isso, Júnior está pelo lado direito, Luiz Henrique parte de dentro para fora e Jeffinho aparece como meia. Uma curiosidade é a liberdade que os laterais também possuem para atacar o centro, neste caso Mateo Ponte aparece como opção e concretiza o gol (abaixo).

Segundo exemplo, início do primeiro gol contra o Universitario. Todos os pontas ocupam o corredor central e o apoio do lado oposto é Mateo Ponte, Júnior Santos se coloca na função de pivô. Continua…

Na mesma jogada, Júnior e Eduardo fazem um movimento em “X”, onde ambos saem da zona em que estavam e trocam entre si. Confusão total na defesa e o resultado: gol.

Terceiro exemplo, primeiro gol de Luiz Henrique pelo Botafogo. O camisa 7 mais uma vez se encontra no corredor central, enquanto Gregore faz uma excelente cobertura na pressão alta. Savarino recebe sem oposição, enquanto Júnior fixa o defensor para que Luiz possa atacar as costas (veja abaixo).

Como puderam perceber em alguns exemplos, a ideia é acumular jogadores para que o portador tenha mais opções de passe, com os mesmos espaços sendo atacados, mas por atletas diferentes em questões de segundos. A partir disso, este acúmulo também deve possibilitar uma equipe com maior número de componentes na zona da bola recuperá-la assim que a perda acontecer.
O Botafogo demonstrou padrão de jogo em um contexto que pedia proposição, Artur Jorge entregou um trabalho muito bom para poucas sessões de treino e beneficiado também pela sequência sem sair do Rio de Janeiro. No domingo, contra o Flamengo, veremos como a equipe se comporta enfrentando um adversário que também quer propor e que sabe como gerar vantagens pelo corredor central.
Um grande teste nos espera, preparemo-nos!