Botafogo regrediu várias casas em lento processo de reestruturação que começou em 2015, analisa site

Botafogo regrediu várias casas em lento processo de reestruturação que começou em 2015, analisa site
Vitor Silva/Botafogo

O jornalista Rodrigo Capelo, especialista em assuntos relacionados a balanços e finanças dos clubes brasileiros, publicou nesta semana uma reportagem que destrincha minuciosamente a situação do Botafogo, e o cenário parece ser pior do que todos imaginam. Confira abaixo a íntegra da reportagem publicada aqui.

Na época em que ainda começava a sua administração no Botafogo, com três anos pela frente como presidente, Carlos Eduardo Pereira declarou em entrevista que o clube levaria oito anos para clarear a sua situação financeira. E então o seu mandato passou, com resultados positivos indicando, pouco a pouco, que talvez fosse possível chegar a 2023 com uma realidade no mínimo melhor. A dúvida, agora, depois do primeiro ano de Nelson Mufarrej em seu lugar, é quantas casas o Botafogo voltou para trás após sobreviver a 2018.

A recuperação financeira que vinha acontecendo desde a chegada dos atuais dirigentes – Mufarrej foi vice-presidente de Carlos Eduardo, e Carlos Eduardo hoje é vice de Muffarrej – foi interrompida no ano passado. Depois de um período de três anos em que receitas aumentavam e dívidas diminuíam, ainda que lentamente, ainda que muito distantes de uma relação saudável, bastou um ano de crise para fazer com que indicadores financeiros regredissem em alguns anos.

É superficial – e até injusto – escolher um momento específico para justificar toda uma virada, mas, com certa licença poética, o processo pelo qual passava o Botafogo começou a mudar no momento em que o time deixou escapar a Libertadores. Como disse o então técnico Jair Ventura, o time vinha de uma temporada que havia começado cedo, com um time limitado pela falta de dinheiro. As dificuldades eram grandes. Era natural que a equipe não chegasse pela segunda vez consecutiva à competição. Mas como fez falta a tal da vaga no G-8.

Quase todos os motivos que explicam a queda no faturamento estão ligados à não classificação para a Libertadores – e, claro, ao ânimo que a disputa da competição dá aos torcedores e ao mercado. Nos direitos de transmissão, linha na qual são computadas as cotas de participação, o clube deixou de arrecadar os R$ 13 milhões que tinha conseguido com a Libertadores no ano anterior. Por mais que a disputa da Copa Sul-Americana tenha colocado R$ 3 milhões que não tinham sido obtidos anteriormente, a diferença entre os números corresponde à perda.

Nas receitas diretamente ligadas à torcida, o Botafogo perdeu justamente aquilo que tinha sido um ponto alto da temporada retrasada. Se em 2017 a diretoria alvinegra pôde contar com um incremento relevante nas bilheterias, em 2018 essa receita desapareceu. A renda com bilheterias havia sido de R$ 12 milhões com a Libertadores, também não reposta pela Sul-Americana, cujos ingressos renderam R$ 1 milhão. A situação foi problemática suficiente para o então vice de comunicação alvinegro dizer que a torcida havia abandonado o clube.

E tem mais. O estádio Nilton Santos vinha representando uma vantagem competitiva ao clube – tanto no sentido esportivo, quanto no financeiro – na comparação direta com os demais cariocas. Sem a atratividade que a Libertadores proporcionava, o equipamento também caiu em termos de arrecadação. A receita que ele gera por meio de suas propriedades comerciais, estacionamentos e bares era de R$ 16 milhões e ficou em apenas R$ 8 milhões. As despesas do próprio estádio foram maiores do que isso, então ele se tornou deficitário dentro das contas alvinegras.

Conforme as receitas caíram, a diretoria do Botafogo bem que tentou cortar custos para não fechar o ano no vermelho. E de fato cortou. A folha salarial do futebol profissional baixou em R$ 5 milhões, gastos administrativos caíram ainda mais do que isso. Mas não dá para cortar demais – porque há contratos assinados que não podem ser rescindidos sem multa, porque economia demais pode comprometer o futebol, porque a torcida tem xingado e ameaçado elenco e diretoria…

A única solução a que todo clube de futebol nessas condições recorre é a venda de jogadores, e o Botafogo, diferente de um Fluminense, tem uma enorme dificuldade de fazer dinheiro com as categorias de base. Em 2018, a diretoria botafoguense fez a maior receita dos últimos quatro anos, com R$ 17 milhões arrecadados. E mesmo assim não passa nem perto da concorrência ou, mais importante, da necessidade de caixa.

Todo esse traçado ajuda a entender por que o Botafogo levou a virada, em 2018, em sua recuperação financeira. Para que a situação continuasse a melhorar e a direção de Mufarrej e Carlos Eduardo fizesse o quarto ano positivo, em sequência, precisaria ter muito mais receitas e alguma sobra depois de pagar todas as despesas. Justamente para que essa sobra fosse usada para pagar dívidas. Não aconteceu. E, quando começamos a falar de dívidas, o quadro fica ainda mais complicado.

A maior dificuldade ao administrar um clube como o Botafogo é que passivo precisa ser controlado. Existe algo chamado Ato Trabalhista, no qual estão concentradas dívidas com ex-jogadores e ex-funcionários, que funciona como uma fila de credores. Todo mês o clube precisa dedicar uma parte de suas receitas para quitar pendências com quem estiver à frente. Não é recomendável deixar de pagar, pois se o acordo for cancelado serão penhoradas e bloqueadas todas as receitas, em vez de apenas um percentual delas. Lógica parecida vale para a parte fiscal, que está parcelada via Profut, mas que não pode ser negligenciada.

Quando você precisa dedicar cerca de metade do dinheiro que entra mensalmente para honrar acordos trabalhistas e fiscais, e ainda está com as contas vermelhas na relação receitas-custos, sem conseguir vender jogador para resolver o curto prazo, restam poucas soluções.

O Botafogo vem sobrevivendo por meio de empréstimos. Em alguns casos, consegue descolar dinheiro com instituições financeiras como BMG e Banco Daycoval. O crédito só é aprovado porque o clube entrega aos bancos como garantia os seus contratos com a Globo, aqueles válidos pelo período de 2019 a 2024. Quando o crédito não é aprovado, entram no jogo botafoguenses ricos. O ex-presidente Carlos Augusto Montenegro emprestou R$ 11 milhões em 2018. Mas a quantidade de torcedores dispostos a arriscar seus patrimônios também é limitada.

Bem no início, quando fez a previsão sobre a quantidade de bons anos que levaria a recuperação, Carlos Eduardo Pereira também deu uma declaração forte sobre o que seria do clube se o processo desse errado. “Se fracassarmos nessa missão, arrisco dizer que o Botafogo entra num processo de apequenamento difícil de ser revertido”. Ele se referia ao retorno para a primeira divisão, é verdade. O time tinha que subir para sobreviver. Mas o alerta continua a fazer sentido. Na atual situação, a menos que alguma revolução aconteça – leia-se: alguém apareça com muito, muito dinheiro para aportar –, não demora muito até o clube parar na segunda divisão. E talvez não voltar mais.

Fonte: Globoesporte.com

Comentários