Se o número de 14 jogadores revelados por clubes do Rio convocados para as seleções principal e sub-23 chama a atenção, a ausência de um dos quatro grandes na lista espanta. O Botafogo, clube que mais cedeu jogadores ao Brasil em Copas do Mundo — foram 47 —, foi o patinho feio do futebol carioca nas listas de Tite e André Jardine desta sexta-feira.
A crise financeira que parece inerente à existência do clube de General Severiano, claro, é a principal vilã da falta de grandes revelações no alvinegro. Se no futebol profissional, porém, a falta de dinheiro provoca atraso de salários e times pouco competitivos, na base ela afeta, com o perdão da repetição, o básico.
O diretor geral da base do Botafogo, Manoel Renha, por exemplo, revelou em entrevista ao “Canal do TF”, no Youtube, que se surpreendeu ao ver, no último jogo do time profissional, contra o Athletico-PR, o zagueiro revelado nas categorias de base Kanu, que entrou no lugar de Marcelo no segundo tempo. Trabalhando só com os garotos, não o via há algum tempo e o achou forte, encorpado, atlético. Treinando entre os profissionais desde 2018, o jovem de 22 anos tem agora acesso ao que não teve na base: suplementação alimentar e aparelhos de musculação adequados.
Orçamento menor
Fora a ausência de um CT, o Botafogo tenta há cinco anos também oferecer suprimento alimentar (essencial para atletas de ponta) à base , e não consegue. Além de pequena, a sala de musculação destinada aos garotos com mais de 16 anos é velha e com aparelhos desatualizados.
O orçamento para as categorias de base— cerca de R$ 9 milhões/ano — é bem menor do que o dos outros três grandes clubes do Rio. Em comparação com o do Flamengo, o do Botafogo é aproximadamente 50% menor.
O resultado é que, com menos dinheiro, tudo acaba ficando menor no Botafogo — não só o porte físico dos atletas. Os próprios elencos dos times são mais enxutos, e trabalhando com menos jogadores, por matemática simples, a chance de encontrar uma grande revelação é menor. A captação de joias também é reduzida no alvinegro, que conta com a ajuda de clubes menores para descobrir jogadores. A falta de alojamento faz com que o clube fique limitado, em maioria, a jogadores da região metropolitana do Rio.
Ainda assim, há o copo meio cheio na difícil situação das categorias menores do Botafogo. E ele está no resultado. Se as revelações dos últimos anos não aparecem nas listas para a seleção principal e sub-23, as vendas recentes foram fundamentais para a sobrevivência de um clube endividado.
Vendas essenciais
De 2013, quando Vitinho foi vendido para o CSKA Moscou por R$ 31 milhões (R$ 18,6 milhões para os cofres do clube) até o começo do ano, quando as vendas de Igor Rabello para o Atlético-MG e Matheus Fernandes para o Palmeiras injetaram R$ 28 milhões em uma temporada com orçamento complicado, o Botafogo fez, em média, uma boa venda de atleta da base para times do país ou do exterior por ano. Sem elas, o desempenho e até a existência do clube poderiam estar comprometidas.
Apesar das dificuldades, o simples fato de revelar jogadores com mercado já é uma evolução. Entre o fim dos anos 1990 e começo dos 2000, nem isso o clube conseguia.
Hoje, no alvinegro, há quem defenda o “desinvestimento” em esportes olímpicos — como o basquete e o vôlei — para reverter o orçamento para a base do futebol, que tem retorno financeiro mais provável. Apesar do hino dizer que “noutros esportes tua fibra está presente”, o Botafogo percebe que o cobertor curto obriga a escolher até o verso. Para alguns, o “e hás de ser nosso imenso prazer” é urgente e prioritário.