Cesar Grafietti esclarece projeto de fair play financeiro que fez para CBF e diz: ‘Botafogo não é problema. Ponto central está em clubes como Corinthians’

Cesar Grafietti
YouTube/UOL Esporte

Economista, consultor em gestão esportiva e idealizador de projeto de fair play financeiro entregue à CBF em 2019 (não implementado pela entidade) Cesar Grafietti deu interessante entrevista ao “UOL Esporte”. Ele esclareceu que o Botafogo não faz nada errado, está dentro dos parâmetros do sistema e não é um problema.

A primeira pergunta a Grafietti foi se o Botafogo, usando 45% das receitas em salários, como revelou John Textor, estaria dentro do fair play financeiro.

– Estaria sim. O projeto começou em 2018, foi entregue em 2019. Em 2021, depois de pandemia, nós fizemos uma readaptação desse projeto, já sob uma nova ótica, passados os problemas da pandemia, e uma das restrições é claramente o limitador de gastos, que não era só salário, porque na média, no Brasil, os clubes gastam ali entre 45 e 55% das receitas em salário. Os clubes gastam muito em outras coisas que o torcedor nem sabe, nem vê, e aí vai cobrar só o gasto com salário, mas ali, a área social, outros gastos, acabam consumindo muito da receita dos clubes. Então, esse era um dos itens. Se for verdade que 45% das receitas estão sendo gastas em salário, estaria dentro – explicou.

– O ponto do Botafogo hoje, para mim, é um falta de transparência. A gente fica ouvindo o dirigente falar e ele não mostra números, isso é um pouco da história do brasileiro. E o torcedor gosta muito de ouvir o dirigente falar, até porque não entende muito do número, não entende muito da informação e aí cai na conversa do dirigente o tempo inteiro. Quando você vai ver o número depois, não é bem essa a realidade – ponderou.

Cesar Grafietti considera que um dos principais problemas a ser evitados é o caso de clubes como o Corinthians, que tem altas dívidas, não pagam e seguem contratando. Não é o que acontece com o Botafogo.

– No Brasil, nós optamos por um modelo que junta um pouco as dívidas, que são muito altas no futebol brasileiro, e os gastos. Combinando as duas coisas, de uma forma que aquele clube que tenha poucas dívidas pode gastar mais da sua receita, e aquele clube que tenha mais dívidas tem que gastar menos, porque tem que sobrar dinheiro para pagar as contas. Nós usamos muito mais aqui o conceito de dívida, porque o futebol é mais endividado do que na Europa, enquanto na Europa se observa muito mais a performance, digamos assim. O Botafogo poderia se encaixar na questão do controle das dívidas, porque a aquisição nunca é feita à vista. Você compra para pagar em três, quatro, cinco anos. Então, se o clube se endivida demais em relação às suas receitas, provavelmente seria de alguma maneira sancionado, considerando o nosso modelo. Na Europa, isso é completamente ignorado. Inclusive, na Europa, se permite muito que o acionista coloque aporte recursos para cobrir prejuízos. Na Inglaterra, até 90 milhões de libras podem ser aportadas pelo acionista para cobrir prejuízos acumulados em três anos. Então, no caso do Botafogo, por conta das dívidas de aquisição, sim, poderia ser uma forma de quebrar as regras, digamos assim – esclareceu, antes de falar dos clubes que dão calotes em outros.

– Esse é o ponto central do que é o sistema. O objetivo dele é evitar atraso, evitar falta de pagamento. Seja para outros clubes, seja pagamento de salários, seja pagamento de impostos. Então, quando a gente ouve muita discussão ali, o Flamengo, o Botafogo, o Palmeiras, quem contratou mais? Ou o Cruzeiro. Ninguém fala do Cruzeiro, mas também investiu bastante em contratações. Esse é um problema que eu diria menor, isso não é nem um problema. São investimentos que estão sendo feitos. O problema está naquele clube, como você citou, o Corinthians, que contrata e não paga, que não paga salário, que costumeiramente não recolhe impostos e encargos. Esse é o clube que destrói a estrutura. E o fair play financeiro vem com o conceito de tentar manter a estrutura do futebol equilibrada. Por quê? A partir do momento que o Corinthians ou qualquer outro clube faz isso, gasta sem lastro, sem capacidade, passa a dever todos os outros clubes da estrutura, os outros olham como exemplo e falam, se eu não fizer a mesma coisa, eu não serei tão competitivo quanto. Você gera ali uma bola de neve que você vai fazendo outros clubes tomarem a mesma atitude – acrescentou Graffieti.

Para evitar problemas desta natureza, a proposta é que haja transfer ban, impedindo novas contratações.

– Atrasou pagamentos? Transfer ban, controle, cobra, não deixa contratar de novo, que são as sanções. As sanções mais comuns são essas, transfer ban até resolver o problema. Na Inglaterra, você tira pontos quando o clube viola o fair play financeiro. Agora, qual é a grande dificuldade desse sistema? É você ter a capacidade de sancionar o clube, porque o clube está sempre dois passos à frente do legislador. Isso é o clube, mas em qualquer situação na vida, o clube está sempre dois passos à frente da lei – explicou.

– Tem uma dificuldade muito grande em você conseguir tirar pontos no Brasil. Então, a ideia é sempre esse é um modelo educativo e não um modelo necessariamente punitivo. A educação no clube de futebol é você evitar que o clube gaste. Isso é o que garante um nível de estabilidade, ou pelo menos de encaminhamento para essa estabilidade. Então, a principal sanção no Brasil seria o transfer ban. Não contrata enquanto estiver devendo, ponto. Essa é a primeira regra. Extrapolou as regras, extrapolou os limites, não contrata. A coisa que o dirigente mais tem horror é ser proibido de contratar, porque é justamente a válvula de escape para sair de pressão da torcida, da própria imprensa, enfim. Então, quando você cria um sistema onde ele aplica o transfer ban por atrasos, acabou. O dirigente vai se esforçar ao máximo para evitar isso, que é o que acaba acontecendo com todo mundo. Tirar pontos, é uma discussão que nós tivemos com o STJD, com o CNRD, com advogados. É sempre muito difícil você conseguir implantar no Brasil um sistema como esse, de tirar pontos, que talvez pudesse ser também educativo, mas… Então, o transfer ban afeta diretamente o bolso do dirigente – concluiu.

Fonte: Redação FogãoNET e UOL

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