Jornalista diz que fair play financeiro da Europa mantém ‘status quo’ do futebol e aponta desafios no Brasil

Ubiratan Leal, da ESPN
YouTube/ESPN

Em vídeo divulgado no canal da ESPN no YouTube, o jornalista Ubiratan Leal debateu o tema fair play financeiro, com argumentos interessantes. Na visão dele, a pauta ajuda a manter o status quo dos times no futebol europeu e tem desafios para ser estabelecido no Brasil.

– Muita gente fala em fair play financeiro pensando que isso é um conceito de justiça econômica, até porque é o que o nome indica, um jogo justo financeiro, justiça econômica de igualdade. Até por isso, muita gente se vê induzida a falar, quando Palmeiras e Flamengo estão ganhando muito, que estão com times muito mais fortes e ganham muito, “tem que implementar fair play financeiro para parar”. Teoricamente, isso não faria diferença. Na verdade, Palmeiras e Flamengo defendem o fair play financeiro porque até tende a beneficiá-los. Porque o fair play financeiro não é uma ferramenta de igualdade na distribuição de recursos, isso da igualdade é uma outra discussão que até pode ser feita em conjunto com o fair play financeiro, ser até um mecanismo que faça parte de uma negociação – iniciou Ubiratan Leal.

– Fair play financeiro é o quê? Fair play financeiro é criar um jogo justo para que um time não gaste um dinheiro que não tem para ter uma vantagem injusta em campo. Por exemplo, vamos pegar dois times que tem o mesmo faturamento, vamos dizer R$ 500 milhões de faturamento. Exemplo hipotético, não estou me inspirando em ninguém. Dois times têm R$ 500 milhões de faturamento, só que na hora de montar o time, um time gasta R$ 400 milhões para montar o time, os outros R$ 100 milhões são para outros gastos. Só que o outro vai lá, ganha R$ 500 milhões, gasta R$ 700 milhões, monta um time de R$ 700 milhões. Esse time de R$ 700 milhões é quase duas vezes mais caro que o time de R$ 400 milhões. Teoricamente, tende a ser melhor, tem jogadores mais caros. Claro que existe o fator incompetência, existe o fator margem de erro, mas ele tende a ser melhor. Chega no final do campeonato, o time de R$ 700 milhões é campeão, o time de R$ 400 milhões não. Que se dane, que se lá no futuro o time de R$ 700 milhões contraiu dívida, atrasou o salário de jogador, não pagou, o jogador que foi contratado do outro clube ele não pagou direito, ou fica querendo renegociar, sei lá o quê, ou simplesmente ficou com a dívida acumulada, jogou pra frente, pegou um empréstimo bancário, jogou pra frente, e dali a dois anos que essa bomba vai estourar. Ele honrou os compromissos naquele momento, mas porque deixou a bomba armada pra estourar lá pra frente, isso é justo? Ele foi campeão gastando dinheiro que não tem, enquanto um time que gastou só o que tinha, tentou fazer as coisas certinho, acabou tendo um time pior, com menos condições em campo, acabou perdendo, então o fair play financeiro é para isso – acrescentou.

O jornalista da ESPN acredita que o fair play financeiro pode dificultar clubes a mudarem da patamar.

– Uma crítica que existe é que se faz com que os clubes que faturem mais fortes possam gastar mais, ou seja, eles continuam sendo os grandes. Então, os grandes continuam sendo os grandes, os pequenos continuam sendo pequenos, e os médios continuam sendo médios. Vai demorar muito tempo para mudar. Até você conseguir gastar R$ 700 milhões, montar um time de R$ 700 milhões, de R$ 800 milhões, foram muitos anos ali sempre superando a expectativa, é muito trabalhoso, enquanto isso, o clube grande vai ter muito mais condição de ficar no topo, porque vai ter um estádio maior, vai ter uma torcida maior, então vai conseguir mais dinheiro de patrocínio. Eventualmente, dependendo do acordo de TV, como for o modelo de acordo de TV, vai conseguir um acordo de TV melhor para uma ou outra situação, talvez consiga lotar o estádio mesmo cobrando ingresso um pouco mais caro do que o time que tem menos torcida, então mesmo. Vai ter um faturamento naturalmente muito alto, mesmo que faça muita bobagem, vai continuar tendo um faturamento alto, então ele vai conseguir ter os tais R$ 700 milhões, porque de repente, mesmo fazendo muita bobagem, ele fatura perto de R$ 1 bilhão e daí monta um time de R$ 700 milhões. O grande tende a continuar sendo grande, o pequeno fica sendo pequeno, porque ele vai ter que sempre ter gastos de time pequeno, essa é uma crítica que existe ao fair play financeiro, e por isso é importante que a discussão de fair play financeiro seja muito bem feita – ponderou.

Para Ubiratan Leal, a chegada de SAFs e investimento estrangeiro merece ser objeto de bastante estudo no Brasil.

– O futebol brasileiro tem uma situação mais grave, mais forte. Tem mais clubes que estão financeiramente muito endividados. O Brasil tem um futebol em que essa questão de investimento externo de compradores, investidor, dono, essas coisas, é muito novo ainda, que é o modelo das SAFs, então o fair play financeiro e as regras do fair play financeiro, mesmo da UEFA, têm esse tipo de mecanismo de fazer um cálculo do quanto é liberado de um time investir inicialmente. Mesmo que o clube neste primeiro momento não fature isso, mas se o clube for vendido, um investidor tem uma margem que ele pode no primeiro ano, nos primeiros anos, dar um aporte que entra de forma diferente no cálculo de fair play financeiro, porque é um aporte de salvar o clube, é um aporte de compra do clube – frisou.

– Claro que ele não pode sair botando tanto quanto ele quiser, porque tem que ter controle sobre isso também. Por exemplo, na situação do Botafogo, o John Textor comprou, daí tem que ver que parâmetros que o Brasil resolve adotar pra isso, que números que passam a ser válidos ou não. Nesse primeiro momento, o quanto desse aporte seria permitido? Quanto o Brasil vai considerar válido? Porque qualquer situação de SAF no futebol brasileiro vai ter um aporte inicial, no mínimo um aporte de pagar dívida e ajeitar o time, porque os clubes que estão entrando nessa estão com muitos problemas, sobretudo de dívidas. Como é que vai fazer o cálculo do quanto desse aporte inicial desses primeiros anos é um aporte válido dentro de conceitos que o futebol brasileiro considere justo, válido e necessário ter para manter a capacidade de investimento dos times? Ou simplesmente considera que não quer saber, esse investimento inicial vai ser muito restrito e que trate de acertar a organização e ir com as próprias pernas ali, com o que já tinha tentando crescer organicamente, o que seria muito mais lento. Por isso eu acho muito difícil que o Brasil não tenha algum cálculo que permita um aporte inicial. Tem que considerar isso, na Europa tem isso também – acrescentou.

Ubiratan Leal crê que é possível construir um modelo justo, mas não rapidamente.

– Em longo prazo seria uma proposta interessante, só tem que ver se o Brasil consegue estipular, fazer um cálculo justo e que considere a realidade. Imagino que o cálculo de fair play financeiro tenha que considerar um mecanismo para aportes iniciais para reconstrução de clube, uma ferramenta de reconstrução de algum investidor que chegue, por exemplo, e queira primeiro ajudar, por exemplo, a pagar dívidas monstruosas que estão vencendo. O clube tem que ter condição de continuar trabalhando de forma minimamente competitiva e pagar essas dívidas – pontuou.

– É uma discussão necessária do futebol brasileiro, sim, fair play financeiro é uma necessidade. O futebol brasileiro não pode continuar fingindo que está alheio à realidade econômica, tem que pagar suas dívidas, o dirigente incompetente tem que ser banido do futebol, e a melhor forma de fazer ele ser banido do futebol é que essa incompetência seja punida. Se os clubes começarem a sofrerem na pele pela incompetência de seus dirigentes, eles próprios começam a trabalhar para não terem mais dirigentes tão incompetentes assim – encerrou.

Fonte: Redação FogãoNET e ESPN

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