Luís Castro fala sobre pressão no Botafogo, diz não desfrutar do futebol e revela tristeza com ofensas da torcida: ‘Fui xingado pela minha própria família’

Luís Castro fala sobre pressão no Botafogo, diz não desfrutar do futebol e revela tristeza com ofensas da torcida: ‘Fui xingado pela minha própria família’
Vitor Silva/Botafogo

Luís Castro foi contratado por John Textor para comandar o Botafogo nesse projeto de reestruturação sob o molde SAF. O técnico português ainda vive um período irregular no trabalho e passou por uma série ruim recente, com 10 derrotas em 13 jogos e eliminação na Copa do Brasil. E, no meio do turbilhão de emoções que é futebol brasileiro, já foi xingado, vaiado e aplaudido pela torcida alvinegra.

Em excelente entrevista publicada pelo jornal “O Globo” neste sábado (30), o técnico português deu boas declarações sobre a cultura do futebol, a pressão que é inerente à função de treinador, a relação com as arquibancadas e admitiu que não consegue “desfrutar” do futebol.

Eu não desfruto muito o futebol. Não consigo muito. Não entendo até hoje como desfrutar o bem da vida estando no futebol. Não desfruto e nem tenho que desfrutar porque sou pago para trabalhar em uma profissão que não deixa desfrutar. E é por isso que nos pagam tão bem. Eu entendo que o tanto que me pagam não é para que eu desfrute. É para eu sofrer na profissão que eu desempenho. Sempre cresci assim. Eles me pagam para trabalhar, o trabalho me gera algum sofrimento e eu não me importo de sofrer. Eu assumo que os jogos me destroem por completo, e depois tenho que me regenerar em dois dias para começar outra vez a semana e, no próximo jogo, me destruir, e depois me regenerar e assim segue. E quando são jogos seguidos, um atrás do outro, ainda é em uma cadência mais forte de destruição e recuperação. Eu não posso comer isso, aquilo, não posso beber. Não desfruto, mas vivo intensamente e adoro minha profissão. Já disse várias vezes: vou morrer, e vai acontecer dentro do campo. Dando um treino ou em um jogo, cair para o lado… e não me importo. Amo minha profissão. E me emociono muito com ela – disse.

Confira outros pontos da entrevista de Luís Castro:

ALEGRIA OU DECEPÇÃO? “Eu vim aqui exclusivamente para trabalhar para o Botafogo, em um projeto de crescimento do clube, de colocá-lo num patamar elevado. Eu não tenho que me decepcionar ou me alegrar. Só constatei que aqui se vive o futebol 24 horas por dia. Há muitos sites, youtubers, blogueiros, debates e o futebol não precisa de tanto tempo. Então tem que se inventar coisas para falar sobre futebol, porque o jogo em si pode ser desmontado em um período de tempo, mas depois não há mais nada que pode ser dito sobre aquilo. Depois tem tudo que há ao redor, mas isso já não me interessa, e há quem queira que isso seja o mais importante do futebol. Já a sociedade brasileira é fantástica, é muito leve, apaixonada pela vida e são pessoas simpáticas, que vivem a vida no esplendor. E eu entendo a mídia como um parceiro de caminhada. Fico triste quando faz críticas desrespeitosas. Há a crítica elegante, cuidada, e que considera o ser humano. Outra é a que é humilhante, que sangra e faz sangrar, crítica de novela, drama, para ser vendida. Isso só será alterado através de uma reflexão profunda, porque é uma questão educacional, e só a escola pode dar aquilo que as pessoas não têm.”

CRÍTICAS: “Não se pode depois de três derrotas dizer que um treinador está sob pressão, que tem que ganhar o próximo jogo. A imprensa é que coloca essa pressão e há interesse que exista toda essa agitação em volta do treinador. Um técnico perde três jogos e a imprensa quer que o treinador saia, ou diz que ele deverá sair. Por que só nós somos colocados contra a parede nesse fenômeno que é o futebol no Brasil? O xingamento no estádio é uma coisa que eu acho que é cultural no Brasil. Essa forma “leve” de soltar palavras ofensivas é algo que não deve preocupar a mim, e sim à sociedade brasileira. Nunca fui despedido de nenhum clube, mas interiorizei que isso poderia acontecer no Brasil. Chega-se aos tais momentos insustentáveis porque há todo esse envolvimento — que ainda não entendi a razão — em criar esse ambiente tão hostil. Posso ser incompetente, ok. Mas muitas vezes a competência não está ligada ao resultado. Se ganho uma sou bom, aí perco na outra, sou ruim. Não tem sentido.”

XINGAMENTOS DA TORCIDA:Uma coisa é ficar desiludido, outra é ficar triste. Quando a torcida do Botafogo me mandou tomar no cu, fiquei triste. Não desiludido, porque sei que no futebol acontece isso. Fiquei triste porque sou um deles. Sou uma das pessoas da torcida, eu também torço. Eu fui xingado pela minha própria família. É como um filho chegar em casa com notas ruins na escola e xingarmos nosso filho, ou nosso pai que não foi tão bem no trabalho. Eu não sou máquina, sou ser humano, fico e tenho o direito de ficar triste.”

LIDAR COM AS DERROTAS: “A derrota e a vitória são para todos. Clubes, treinadores, torcedores: ganham e perdem. Não é só para alguns. É isso que falta entender: acharmos que nosso clube vai ganhar sempre é uma deformação no pensamento. A derrota é uma palavra que aqui gera uma confusão. Não gosto de perder, vivo de vitórias, minha carreira foi construída com elas, não falhei nos objetivos na minha carreira. Mas uma equipe que tem como objetivo ir à Libertadores vai ter mais derrotas que a que vai ser campeã, certo? Mas se esta equipe que quer ir à Libertadores e tem três derrotas seguidas, o treinador pode ir para a rua mesmo cumprindo os objetivos. Isso tem sentido? Avaliações acho que se fazem no fim da temporada, mas fazemos minuto a minuto. A classificação é passada na tela durante os jogos! É a realidade, mas qual a função de uma tabela ao fim de cinco rodadas? Ok, é um ponto de avaliação, mas há muitos outros.”

PRESSÃO: “Eu vivo pressionado desde criança, porque eu sentia que meus pais faziam um esforço para eu estudar e eu achava que deveria devolver em resultados. Segui assim porque era da minha consciência. Sigo pressionado porque cada clube que nos contrata tem expectativa. E sinto responsabilidade de responder com resultados. É a mesma história: eu me pressiono, mas é diferente da pressão realmente importante. Pressão importante é ter no Brasil milhares de pessoas com fome e termos que resolver isso. Isso é pressão para todos. Pressão por perder um jogo quando tem mil pessoas ao lado passando fome? Que pressão? A imprensa precisa falar tantas vezes da pressão em se ter em um país tantas pessoas com fome como falam da pressão que um treinador tem quando perde um jogo. Diante disso, acho que, na verdade, não tenho pressão alguma. Isso sim (a fome) deve ser algo que deve pressionar a sociedade, os líderes mundiais, toda a gente, que deve se voltar para esse caminho: de igualdade, de oportunidades iguais, isso é o que me preocupa. Eu tive que ir à procura das minhas oportunidades, porque eu não as tinha. Acho que o mundo deveria dar oportunidade às pessoas, porque uns têm, outros não, de forma discriminatória.”

Fonte: Redação FogãoNET e O Globo

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