Luís Castro recorda passagem no Botafogo e diz sentir saudade dos desafios do futebol brasileiro: ‘Lá temos dois jogos: o jogo e depois a coletiva’

Luís Castro, técnico do Botafogo, em entrevista para o BandSports em junho de 2023
Reprodução/BandSports

Livre no mercado desde que foi demitido do Al-Nassr, Luís Castro voltou a ter seu nome especulado em diversos clubes brasileiros neste fim de temporada. Em entrevista no último mês ao programa “Futebol é o Momento”, do “Sport TV“, de Portugal, o treinador contou, em tom leve, os desafios que encarou no Botafogo e no futebol brasileiro e revelou “sentir falta” da correria intensa do calendário daqui.

Um dos principais pontos destacados por Luís Castro foram as entrevistas coletivas pós-jogo, que ele classificou como um “segundo jogo” após os 90 minutos.

O Brasil é um país de futebol e é um país com uma grande paixão. São 200 milhões e a grande maioria, a larguíssima, é apaixonada pelo futebol. E o Brasil sabe disso e alimenta constantemente o gosto das pessoas pelo futebol. Aquilo que se sente nos estádios, nas preparações dos jogos, na forma como se reage após um jogo. No Brasil, temos dois jogos: temos o jogo propriamente e depois temos a coletiva, que é a conferência de imprensa pós-jogo, que é o outro jogo. Vive-se intensamente aquilo que toda a gente está vivendo e as pessoas que são alimentadas de futebol é lhes dado o produto desde que acordam até que se deitam. Houve coletivas que eu fiz de mais de 30 minutos. A seguir ao jogo. O desafio é mesmo esse. E nós sabermos que temos de sobreviver após uma derrota. E temos de sobreviver. Porque perder já perdemos. O jogo já está perdido. Então temos que ir buscar algum ganho a uma derrota que acabou de acontecer – contou Luís Castro.

Muitas vezes o diretor de imprensa chegava e tentava me preparar. Eu sempre disse o mesmo: “Não quero saber, quero partir para a conferência, totalmente liberto e sem paredes à minha volta porque eu não consigo levar coisas para as conferências, para as entrevistas faço de forma igual.” Muitas vezes querem-me dar um guião da entrevista. “Não, quero ser surpreendido e quero falar aquilo que sinto no momento, ser genuíno.” Foi sempre assim. Sempre me guiei pela verdade, aquilo que sentia ou dizia e sempre percorri esse caminho .Mas não me preparava. Eu sabia, claramente sentia. Quando entrava, sentia o que é que me esperava – completou.

Castro também revelou que teve de mudar sua forma de pensar o jogo assim que chegou ao Botafogo, após perceber as diferenças do futebol brasileiro.

O futebol no Brasil me surpreendeu numa fase inicial, em que eu chego, vou do Shakhtar, jogando com jogadores de Champions League, vou para o Al Duhail e volto a ter ali, não um patamar de Shakhtar, mas outra vez a equipe a tentar jogar bem, chego ali e o que é que eu penso? Vou pôr outra vez uma equipe com jogadores que me são apresentados a tentar ter a posse, o jogo variar de corredor, entra por dentro, entra por fora, vai fora, vai vir para dentro… Chega à conclusão passada, depois de alguns jogos… “Estou morto.” Aquilo era acelerar, é um jogo muito de transições, você se prepara para as transições, ou ataca em transição forte e mantém a equipa segura e bem equilibrada para as transições que vêm, ou então está morto. Há que ratificar rapidamente um conjunto de coisas. Não há tempo, mas o bom do futebol é isso, é jogo após jogo, um jogo que não tem nada a ver com o próximo, mata o que aconteceu. É como nós na nossa vida. Eu tenho 63 anos, 63 anos da minha vida morreram, eu já entreguei 63 anos à morte, eu agora estou interessado é com aquilo que eu vou viver daqui para a frente, que é hoje – filosofou.

Leia outras respostas de Luís Castro:

CARREIRA INTERNACIONAL
“América, Oriente Médio, Europa, vamos andando… Onde nos chamam, onde nós achamos que podemos desenvolver trabalho, onde nós fazemos aquilo que mais gostamos, que é estar no futebol e estar bastante ativo no futebol. E isso é ótimo, embora agora esteja num período de descanso, que eu prevejo ser até, determinei, pelo menos até janeiro, de certeza. E depois vamos ver se vai até julho ou se é janeiro que se entra.”

SONDAGENS DO BRASIL?
“Abordagens sim, mas abordagens, conversas sobre o futebol. Não vou especificar o que quer que seja, nem particularizar. Terminei o meu trabalho no Al-Nassr, fiquei no mercado como qualquer treinador que termina o seu trabalho em qualquer clube do mundo. E a partir daí, de forma natural, vai-se conversando e vai-se tendo abordagens sobre aquilo que poderá ser o meu futuro. Mas neste momento não há timings na minha cabeça para decidir e é para aí que estou virado, para essas decisões a serem tomadas nesses momentos.”

COLETIVA MAIS DIFÍCIL
“Minha última conferência é muito difícil. É marcante, mas foi de… Houve uma coisa sempre que aconteceu, é de grande respeito pelos jornalistas, jornalistas tem grande respeito por mim, porque nós sabemos que no mundo do futebol somos parceiros de caminho. Eu não vivo sem os jornalistas, os jornalistas não vivem sem os treinadores, sem os clubes. Sabendo que há uma ligação permanente, nós sabemos que temos de nos respeitar. Muitas vezes há uma pergunta que não é tão cômoda, mas eu tenho que entender que essa pergunta que não é cômoda eu tenho que responder.”

CALENDÁRIO NO BRASIL
“Não para mesmo. São jogos de dois em dois dias. Quando eu digo dois, são dois de intervalo. Eu apanhei sequências, quando fui a ver ao fim de 25, tinha 18 feitos dois em dois. Foi aí que eu percebi, não posso ter só um preparador, tenho que ter dois. Tenho um grupo de jogadores que está descansando e há outros jogadores que estão trabalhando. Tenho que ter um preparador, porque agora a minha equipe técnica tem dois preparadores físicos por isso mesmo, para eu ter o controle dos grupos que eu tenho que ter. Os elencos eram maiores, mas o plantel maior também tem um desafio maior para o treinador: se jogam 11, tem 19 que estão insatisfeitos com o treino.”

“No primeiro ano foi o meu maior desafio. No segundo ano percebi claramente que eu tenho que ter duas equipes. A história nos diz, e eu vou buscar muito isso nos jogos de taça [copa]. Quando nós vamos mudar quatro ou cinco jogadores, aquilo dá sempre confusão. É melhor ter um conjunto de 11. Toma lá 11, tira 11, e aqueles 11 você está preparando para aquele jogo e vão com uma energia muito interessante para dentro do campo, ou então isso aí pode trazer problemas.”

DIFERENÇAS NO BOTAFOGO DE 2022 PARA 2023
“Da primeira para a segunda temporada mudamos 23 jogadores. Cada janela era uma janela para retificar. O que interessa é criar uma dinâmica de confiança a todos aqueles que estão, que vão chegar novos e que esses novos vão ajudar. Mas a principal diferença da primeira para a segunda temporada é dominar tudo aquilo que são os pressupostos para ter êxito. O número dos jogadores do elenco, o que está entre cada jogo, a forma como você aborda… Há jogos em que mudamos de fuso horário dentro do próprio campeonato. Não estamos a falar de dois em dois dias sem distâncias longas. No Catar, a viagem maior era de ônibus, 35 minutos. E no Brasil, nós fazemos viagens em que chegamos muitas vezes às 4h manhã, 5h manhã.”

SENTE SAUDADES DESTES DESAFIOS?
“Sinto. Claramente. Eu sou apaixonado pelo futebol, eu amo o futebol, o futebol é a minha vida, ponto. Eu cheguei ao futebol aos 11 anos e só estudei porque queria agradar aos meus pais, só fui para a faculdade porque quis agradar aos meus pais, eu andava ali como um burro no meio da ponte. Eu só era futebol. Minha mãe era professora e o meu pai militar. O que quer que seja? Eu entrei [na faculdade], fui para a Física, não foi para a Educação Física, mas para a Física. Lá tinha analítica, fundamentos de física moderna, coisas que eu sinto enorme saudade (risos).”

Fonte: Redação FogãoNET e Sport TV

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