Que Marlon Freitas é muito ligado ao falecido pai (Itamar) e à família, já é de conhecimento público. O volante do Botafogo contou uma história impressionante de como foi quando perdeu sua principal referência, em 2017.
À época jogador do Fluminense, Marlon Freitas estava em Chapecó para jogo contra a Chapecoense, tentou retornar ao Rio de Janeiro para o enterro do pai, mas não conseguiu, por ter dois voos cancelados devido ao mau tempo. Itamar, no entanto, deu um jeito de “se comunicar com o filho”.
Leia o relato de Marlon Freitas ao “The Players’ Tribune Brazil”:
Pai como espelho
– Eu agradeço muito a Deus pelos meus pais. Eu fui muito abençoado de ter o meu pai, o Itamar, a minha mãe, a Nadjara. Eu não poderia ter pais melhores, sabe? E eu ser jogador de futebol hoje, eu sempre cito meu pai, porque era o sonho dele ser jogador de futebol. Eu só quero ser 50%, 10% do que meu pai foi para mim, como homem, como pai, como irmão também. Então, a minha infância eu não tenho muito o que reclamar, não, graças a Deus. Os meus pais nunca me deixaram faltar nada. Meu pai joga bola desde novo. Meu pai jogava ali também, meio campo, zagueiro. Eu escutava muito, quando era pequeno, que se eu puxasse meu pai, eu ia ser um grande jogador. E eu acho que eu puxei um pouco, 10%, 5%, não sei se foi 100%. Estou buscando, mas hoje… Inclusive, eu estava lá em Magé esses dias e todo mundo fala que eu consegui puxar, pegar esse dom do meu pai. Mas o meu pai, desde novo, me colocava na carcunda aqui, me levava para campo, eu ficava gandulando. Era gandula, no caso, quando meu pai jogava ali todos os domingos. E acabava o jogo dele, eu ficava batendo bola com o filho dos outros amigos do meu pai. Outras crianças que estavam também. E aquilo já era um sonho, sabe? Eu sempre sonhei em ser um jogador de futebol. Sabia que não era fácil. E lá em Magé é muito difícil, não tem tantas oportunidades. Por isso que eu falo que eu sou abençoado. Eu morei com meu pai, poderia ficar com meu pai ali da minha infância até a juventude. Mas eu fiquei com meu pai durante dois, três anos. Depois eu vim morar com minha mãe, porque Deus já estava reservando para mim algo. E eu consegui realizar o sonho do meu pai.
Sonho realizado de atuar no Maracanã
– Antes do meu pai partir, eu consegui realizar o sonho do meu pai de me ver jogar profissionalmente no Maracanã. Um dos maiores palcos do futebol. Então, para mim, eu consegui realizar o sonho dele. Mas essa influência de ser jogador de futebol é pelo meu pai mesmo. Fiquei vinculado ao Fluminense de 2013 a 2019. Consegui jogar, ser capitão também na base. Consegui realizar o sonho do meu pai e da minha família. Ele conseguiu me ver jogar no Maracanã, vestir uma camisa de um grande clube também. E meu pai estava no Maracanã. Então, para mim, foi algo mágico que eu sempre vou lembrar. O Fluminense foi muito importante na minha carreira. Muito, muito mesmo. Ele me ajudou muito. Ajudou muito a minha família. E aí eu sou muito grato por tudo. Eu cito o Abel (Braga) porque ele também foi. Assim como ele me chamou para voltar e tal, até então eu não conhecia ele, também na minha saída ele foi um cara muito correto e leal. Ele falou que “acho que é legal você também procurar outro clube, porque aqui vai ser mais difícil”. Enfim, aconteceram muitas coisas ali. Difícil um jogador ouvir isso, sabe? Só que para mim ali era importante porque ele foi bem sincero, sabe?
Falecimento do pai
– A gente sai numa sexta-feira. E eu vou no meu hospital ver meu pai. Só que quando eu via meu pai eu chorava, porque eu não aguentava meu pai de cadeira de rodas. Câncer, né? Então tipo assim, a imagem que eu tinha do meu pai… Meu pai acordava 4 horas da manhã, trabalhava, era de bicicleta, jogava bola, fazia muitas coisas. O meu pai é forte. E você vê meu pai magrinho. E eu não aguentava. Minha irmã me tirava da sala, falava “pô, não chora perto dele”. Mas eu não consigo. Eu não consigo ver meu pai assim. Eu não consigo. Não é admissível. Eu não conseguia entender aquilo ali. Numa sexta-feira eu vou lá, beijo ele. Eu falo assim, “pai, domingo tem jogo. Eu vou para o jogo. Eu acho que eu vou ser relacionado e tal”. Estava voltando da Eslováquia. Quando sai a relação para a viagem no sábado, a gente saía de manhã, no sábado ia treinar lá. O Abel ia dar o time, que ia jogar. E no domingo a gente ia jogar. Ou seja, a gente não se preparou no Rio para jogo. A gente se preparou em Chapecó. Quando sai a relação, eu falo assim, na sexta-feira à noite, o pessoal que ia para o jogo vai viajar no sábado e, de manhã, eu falo assim “pai, não vou. Eu não vou. Vou ficar aqui. Porque não, quero ficar com você. Vou falar lá com o pessoal. Vou mandar uma mensagem, falar, cara, meu pai tá no hospital. Eu acredito que o clube ia entender perfeitamente também”. Ia entender. E aí ele fala assim pra mim, “não, vai. Não, vai lá jogar, vai jogar. É o nosso sonho, vai lá jogar, vai lá jogar”. E aquilo ali eu já, tipo assim, parecia que já era uma parada que tipo “eu vou partir e tal. Eu não quero que você esteja aqui”. Vou pra Chapecó, chego lá, a gente vai treinar. O Abel dá o time. Além de ser relacionado, eu fui titular. Ele me colocou como titular.
– À noite, na ceia, 10 horas da noite, eu vou lá, pego minha comida, meu lanche. Estou comendo ali e brincando com os meninos. E aí, 22h, vou para quarto. Daqui a pouco batem no quarto, eram o Scarpa e o Luquinhas. Fui abrir. Só que a minha irmã já tinha mandado uma mensagem para mim. A minha esposa não queria me contar, com medo da minha reação. Ela foi e contou para a esposa do Luquinhas. A gente mora no mesmo condomínio. Quando você bota a tela no celular, já dá pra você ler algumas coisas. E, tipo assim, falando muitas coisas assim e tal. Parecia ser um texto muito grande. Fui abrir a porta, quando eu abro, o Scarpa e o Luquinhas falam. E eu lembro que eu só chorava. Fiquei sem rumo, sem saber o que fazer. Eles chegaram lá no quarto comigo, saiu todo mundo dos quartos, o pessoal da diretoria veio, me abraçou, me consolaram. E falaram “amanhã tem um voo e você vai para o Rio”. Lembro que nem dormi, só esperava amanhecer assim, aí deu 10h eu vou para o aeroporto. E eu nunca fui em um enterro. Eu não gosto, nunca fui mesmo. Isso não é para mim, não. Tipo, eu sou muito fraco. E aí eu falei assim, caramba, se a primeira pessoa que eu vou no enterro vai ser do meu pai, na minha cabeça eu ia conseguir. Quando eu chego no aeroporto, Chapecó é muito ruim de voo. São coisas que acontecem que você nem entende. Se eu estivesse em outro lugar, eu ia chegar. E aí, neblina aberta, chovendo, começou a chover. Começou a chover, não dá para pousar, não dá pra decolar. Cancelaram o voo. Aí eu voltei para o hotel. O jogo era 4 horas da tarde. Tinha outro voo, falei “tá bom, eu vou”. Cheguei lá, voo cancelado de novo.
– Falei, caraca, meu olho cheio d’água, assim, chorando. Eu fiquei assim, sentado, pensando. Falei, “cara, o que é que eu vou fazer? O que é que eu vou fazer? Aí eu falei assim, vou jogar. Meu pai quer que eu jogue. Isso aqui era o sonho dele, pô. Ele mandou eu vir pra cá, eu não queria nem vir. Vou jogar”. Entro no campo, titular, eles fazem um minuto de silêncio para o meu pai, todo mundo ficou sabendo e tal. E eu chorava, assim, fechava os olhos, chorava. A lágrima descendo. Quando eu olho para o alto, essa parte eu não falei pra ninguém, uma nuvem, assim, do rosto do meu pai. Rindo. Tipo assim, criou uma nuvem do rosto do meu pai. Eu vi o rosto do meu pai na nuvem rindo. E só ri, tipo assim “você tem que estar aí, você fazendo o que eu sempre quis, era o meu sonho, você fazendo isso, você vai me deixar feliz. Você tá no lugar onde eu queria que você estivesse. Você tá no lugar que eu queria estar”. Essa é uma mensagem que eu entendi que ele estava passando para mim. Falou “você tinha que estar aí, é o seu lugar”. E eu só chorava, me arrepiava todo. Falei “caramba, mano, meu pai tá rindo ali. Meu pai tá aqui”.
– Meu pai fez muita coisa para mim, para minha irmã. Como eu falei, eu nunca passei fome assim. Meus pais nunca deixaram. Deixaram de comer, mas não deixaram os filhos com fome. Cara, o meu pai acho que é amor. Meu pai era um cara que por onde ele passava demonstrava amor, carinho. Não tinha uma pessoa que não gostava do meu pai. Acho que é amor. Meu pai era um cara de bom coração, sabe? Um cara que demonstrava amor por onde ele passava. E acho que essa é minha missão, tentar reunir ao máximo a família. Não deixar para depois, sabe? Se dá para fazer, faz. Então, acho que essas coisas que eu aprendi com meu pai, essa missão eçe deixou para mim. No começo não foi fácil, porque eu era novo ainda. Só que hoje com outra cabeça, pai de família, minhas irmãs, meus sobrinhos. Muita gente que depende de mim. E eu entendi que essa missão passou do meu pai e agora em mim. Tudo que eu faço, eu penso no meu pai. Se meu pai ia fazer isso aqui, não. Meu pai ia fazer. Porque é o exemplo que eu tive dentro da minha casa. O cara que me ensinou tudo. E é isso. Meu pai é amor. Meu pai é amor.
“Você tem que estar aí. Fazendo o que eu sempre quis, era o meu sonho”.
— The Players' Tribune Brasil (@TPTBrasil) January 23, 2025
Marlon Freitas fala sobre influência do pai em sua relação com o futebol. pic.twitter.com/IWCyeV5bWd
“Você tem que estar aí. Fazendo o que eu sempre quis, era o meu sonho”.
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Marlon Freitas fala sobre influência do pai em sua relação com o futebol. pic.twitter.com/IWCyeV5bWd