Psicólogo do Botafogo vê ‘contágio emocional’ positivo no clube e valoriza Marlon Freitas: ‘Atleta mais resiliente que já encontrei’

Paulo Ribeiro, psicólogo do Botafogo
Instagram/Paulo Ribeiro

O Botafogo de 2024 tem o mental forte, não se abala psicologicamente e é campeão da Libertadores e do Campeonato Brasileiro. Ficaram para trás os questionamentos sobre a parte emocional. Um dos grandes responsáveis é o psicólogo Paulo Ribeiro.

O objetivo que eu sempre tive, pessoalmente falando, no Botafogo, e que eu perseguia esse objetivo a todo custo, era criar uma identidade, criar uma outra mentalidade, tanto no torcedor quanto nas pessoas que trabalhavam no clube, quanto nos jogadores que a gente tinha. E essa possibilidade aconteceu quando a gente formou um grupo novo, e esse grupo novo comprou a ideia, porque é necessário que o grupo compre a ideia. E esse grupo também, ele conseguiu entender, muito em função do trabalho do Artur Jorge, de que todos que estavam ali importavam, todos que viviam o processo, desde o funcionário mais simples ao mais graduado, todos estavam envolvidos na positividade, todos estavam envolvidos na vontade maior de ter um título que fosse de importância para o Botafogo. Então essa mudança de mentalidade acontece desde o início desse ano, quando a gente começou a falar em flow, quando a gente começou a falar no que é necessário para se tornar um grande atleta, quando ainda com o Tiago Nunes foi criada a imagem de um cachorro mais feroz, e esse cachorro foi se aprimorando ao longo do tempo, foram feitas camisetas com esse cachorro e com o slogan chamado time forte. Ou seja, o que quero dizer, a gente foi imprimindo aos poucos na cabeça de jogadores, torcedores, funcionários e tudo mais, uma ideia nova de que o Botafogo tinha algumas frases que eram muito peculiares, tipo, “coisas que só acontecem no Botafogo”, “tinha que ser com o Botafogo”, que eram um raciocínio raso, um raciocínio que meio que tolia a performance. Q quando a gente virou essa chave foi no momento que a gente entendeu que, se eu mudo a minha mentalidade, eu mudo a minha performance. Iisso foi acontecendo ao longo do ano, e volto a dizer, foi um trabalho a muitas mãos, não foi um trabalho da psicologia especificamente, foi um trabalho que contagiou, foi um contágio emocional muito bacana que aconteceu, volto a dizer, do funcionário mais simples ao funcionário mais graduado – disse Paulo Ribeiro, ao podcastPressFut“.

O profissional contou ainda como unir todo o elenco por um objetivo e exaltou o técnico Artur Jorge e, principalmente, o volante Marlon Freitas.

Essa pergunta é sensacional. A gente tem, vamos dizer, 35 cabeças só de jogadores dentro de um grupo, só de jogadores. Então são 35 pessoas que vieram de lugares diferentes, de modos de criação de vida diferentes, de culturas diferentes, com ideias diferentes. Para fazer isso tudo conversar tem que ter um maestro para isso aí, um ou mais. Eu acho que o Artur Jorge foi um grande maestro na condução desse grupo. Gerenciar pessoas é a coisa mais difícil que existe, porque cada um tem uma história diferente, cada um veio de um lugar que lhe era familiar e ele chega no outro lugar diferente, encontra outra cultura, outras pessoas que pensam diferente dele e é preciso fazer todo esse ecossistema, vamos chamar assim, conversar, esse ecossistema precisa funcionar. O Artur Jorge teve grande participação nisso, mas eu reputo ao Marlon Freitas, que foi durante a minha carreira, durante os 35 anos de trabalho que eu tenho no futebol, o atleta mais resiliente que eu já encontrei na vida. Eu reputo a ele como o cérebro dessa equipe, como a pessoa que soube brilhantemente conduzir qualquer situação adversa que pudesse acontecer, porque assim, quando eu falo situação adversa, não necessariamente é uma situação ruim, mas algumas delas até são, é porque as pessoas só veem o espetáculo, ou seja, o jogo está para além das quatro linhas, existem situações que acontecem que só ficam ali entre nós. E o Marlon foi um cara que meio que foi um catalisador dessas situações que estavam acontecendo e ele meio que conduzia essa orquestra de maneira triunfal, isso eu preciso deixar claro. Gerenciar pessoas para caminhar na mesma direção e falar a mesma língua não é a tarefa das mais fáceis, é uma arte – destacou Paulo Ribeiro.

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Pressão e ansiedade

– Na verdade, os jogadores de futebol, atletas de qualquer outra modalidade esportiva, precisam ter na cabeça uma coisa. A pressão é necessária. Ela está presente em todas as atividades de todos os seres humanos, uns com maiores níveis de pressão, outros com menores níveis de pressão, mas ela existe e é necessária até para que a gente possa se impulsionar para frente. Quando é que a pressão é muito ruim? Quando ela vem de uma situação muito negativa. Se você está mal no campeonato, se a sua equipe não está bem colocada, o nível de pressão, claro, é muito alto, mas pelo lado negativo de você ter a obrigação de fazer, de sair daquela situação. Mas quando você tem em mãos ferramentas, argumentos, quando você tem à mão um bom nível de situação, de coisa bacana para você viver, a pressão vai ter que se tornar uma aliada sua, porque na realidade você vai ter um nível de ansiedade que é requerido, porque ansiedade zero não existe. E ansiedade não é esse bicho de sete cabeças que a pessoa fala por aí não, ela é necessária, assim como a pressão também é necessária para mover a gente na vida. A pressão tem sempre dois lados, um quando a pressão é pelo lado ruim, que você está em uma situação que não é favorável a você, e outro quando a situação é favorável a você, mas todo mundo sempre vai reclamar da pressão porque ela existe em qualquer canto, em qualquer atividade profissional, isso é o que eu imagino.

– Ainda nesse tema da pressão, em 2021, a gente fez um trabalho ainda com o Botafogo na Série B, quando a gente foi campeão, baseado muito na filosofia do Doc Rivers, que era o treinador do Celtics, e uma das frases memoráveis que ele trabalhou com seus atletas foi “a pressão é necessária”. Quando você consegue entender que essa pressão necessária, ela pode ser sua aliada, aí você tem uma outra visão da situação que está acontecendo.

Integração da psicologia no futebol

– Hoje é impensável você construir performance se você não tem uma integração nesse departamento de saúde. Antigamente, há algum tempo atrás, eu já estou nisso tem 35 anos, você tinha o departamento médico, onde o médico definia tudo o que ia ser feito, e depois você ficava sabendo as coisas que iam acontecendo. Hoje não, hoje, eu respondo pelo Botafogo, claro, a gente tem todos os dias reunião pré-treino e reunião pós-treino, a gente está monitorando constantemente o que está acontecendo com o atleta e as áreas estão trocando as informações. Quando por exemplo, vou exemplificar aqui, o fisiologista nota que está num nível de cortisol mais alto, numa pesquisa que ele tenha feito de sangue, ele chega pra mim, “Paulo, vai lá e dá uma olhada e vê o que pode estar acontecendo, vamos dar uma pesquisada nisso”. A gente tem hoje, nessas reuniões pré e pós-treino, um questionário de bem-estar, que tem vários itens nesse questionário, e dentro do que compete à psicologia você tem o nível de sono, o nível de estresse, então a gente tem notas pra isso, todos os dias os atletas preenchem esse questionário de bem-estar. Então a gente tem dados, tem informações e a gente vai trocando essas informações para quê? Para que a performance do atleta seja cada vez melhor, para que ele tenha cada vez mais um atendimento, uma ferramenta que possa ajudá-lo a sair de uma dificuldade, por exemplo.

Psicologia no futebol e no esporte

– Hoje, na Série A do Campeonato Brasileiro, só quatro ou seis equipes, se eu não me engano, não têm psicólogo na sua comissão técnica. A falta desse profissional não vai fazer o clube deixar de ganhar ou de perder o jogo, a questão não é essa. A questão é a importância da segurança psicológica que precisa ser colocada em primeiro plano e essa segurança psicológica vem do ambiental. Se eu tenho um ambiente que ele proporciona acolhimento, que ele proporciona o sujeito se sentir pertencente àquele local, onde ele pode colocar suas ideias, saber que não tem julgamento ou pelo menos não tem tanto julgamento dentro daquele grupo, daquele lugar que ele está, essa segurança psicológica dá a ele saúde mental. Um psicólogo do esporte está atento a esses detalhes e vai ali meio que monitorando esse ambiente, conversando com o treinador, conversando com o staff, conversando com o preparador físico e vai tentando ajustar algumas situações. A importância é fundamental nesse trabalho conjunto, porém o psicólogo não faz nada sozinho. Hoje, se você não tiver um trabalho conjunto com o fisiologista, com o médico, com o preparador físico, com a fisioterapia, com o servente, com o massagista, ou seja, todas essas pessoas importam nesse ambiente. O psicólogo do esporte está sempre muito atento a essa questão da segurança psicológica. Para você ter uma ideia, no ciclo olímpico de Londres, em 2012, eram oito psicólogos do esporte para duzentos e poucos atletas. No nosso ciclo olímpico aqui no Rio de Janeiro e no ciclo seguinte em Tóquio, já eram 33 psicólogos do esporte para trabalhar com os mesmos duzentos e poucos atletas. Esse profissional é mais um elo dentro dessa cadeia de pessoas que estão ali para ofertar aos atletas as melhores ferramentas, ofertar aos atletas os melhores momentos possíveis e quando a coisa não vai bem, sim, ajudar na solução de problemas. O foco na solução de problemas é uma das principais características da profissão da psicologia do esporte.

Força do Botafogo

– O que eu posso falar é pelo Botafogo, né? O Botafogo, pelo seu histórico dos últimos anos, deixava muitas pessoas com dúvidas sobre como é que seria a atuação dele no campeonato e, sobretudo, no campeonato de 2023, a gente não pode deixar de falar disso. Mas quando a gente consegue modificar a mentalidade interna e mostra isso para o externo, para fora, para as pessoas que acompanham o futebol, você observa que essa mentalidade fica meio que contagiante. Isso a gente chama de contágio emocional, que na realidade foi até minha tese de doutorado, o contágio emocional em equipes de esportes coletivos. Então, esse contágio emocional vai meio que pegando cada pessoa e vai replicando para as outras pessoas. Cada vez que eu tenho mais confiança naquilo que eu estou observando, naquilo que eu estou torcendo, vai crescendo a minha expectativa e, quanto maior a expectativa, maior tem que ser o resultado. Então, naturalmente, eu acredito que os atletas, juntamente com o staff do futebol, com o corporativo do clube, hoje com toda a profissionalização que tem o Botafogo, contribuiu para mudar essa mentalidade. Esse sempre foi o objetivo que eu persegui e eu acho que hoje a gente já consegue ter um caminho um pouco melhor nessa relação entre torcedor e time, torcedor e Botafogo.

Veja o vídeo abaixo:

Fonte: Redação FogãoNET e PressFut

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