Renato Paiva chega a um Botafogo que tem expectativa alta para a temporada, embora não tenha começado bem 2025. Atual campeão da Libertadores e do Campeonato Brasileiro, o clube vai em busca de novos títulos. O treinador entende o desafio e o sentimento atual da torcida.
– Eu entendo o torcedor, porque quem come camarão depois já não quer comer miolo de pão, não é? É um bocadinho isto. O torcedor pensa desta forma, se eles puderam fazer isto, por que que não podem continuar a fazer? Por que que não vão fazer sempre? Vamos ter dias melhores, dias piores, mas de fato o desafio é a consistência de estar aí e é voltar a trazer esse Botafogo, protagonista, que orgulha a torcida. Se calhar, não vai ganhar sempre, mas no momento em que não ganha, a torcida diga, este Botafogo não ganhou, mas eu vou para casa triste pelo resultado, mas confiante que foi um mau dia e que quando eu volto aqui, ou volto a ver o meu clube, estão ali as bases para ele contrariar esse mau dia. E portanto esse é o nosso grande desafio e eu acho que é um bocadinho adormecido. Eu acho que neste momento há ali um adormecimento qualquer, eu tenho o meu diagnóstico feito, disse que não ia dizer em público, em respeito aos meus jogadores e ao trabalho que se fez até agora – explicou.
– Tenho esse diagnóstico feito, sei por onde devo ir, sei por onde quero ir para exatamente revitalizar esse Botafogo, que também é importante que a gente diga ao torcedor, é difícil que seja um Botafogo igual. E por que igual? Porque saem os jogadores e entra um outro. Quando sai um indivíduo e entra outro, há coisas que mudam. Não vamos mudar a essência do ataque, do protagonismo, do ir ao gol, de gerar situações de gol, de concretizar, de fazer muitos gols, tentar fazer isto, mas vamos ter que perceber que há jogadores que mudaram e se calhar a forma não vai ser bem aquela, mas vai ser outra, sem perder o DNA, sem perder a essência, porque eu sei bem a casa onde estou. E a minha formação é de clube grande, é de jogar para ganhar, é de jogar para ter bola, é de jogar para amassar os adversários. Eu sei bem o clube onde estou também. E aqui é a minha identificação. Portanto, isso é o que eu digo ao torcedor. Um bocadinho de paciência, eu sei que eles estão zangados, eu sei que muitos não gostam do nome, até porque há esta ligação com o Bahia, não gostam do nome. A única coisa que eu digo é que são realidades diferentes. Analisem o Renato, quem quiser, vejam o Toluca do Renato jogar, não o do Bahia. É um contexto que não é brasileiro, mas vejam como jogava a equipe do Toluca. Os intérpretes aqui, encontramos aqui outro tipo de elenco, outro tipo de estrutura e nós vamos, não tenho dúvidas nenhuma, trazer esse Botafogo de volta. Um Botafogo que ganha, um Botafogo que é protagonista e um Botafogo que orgulha o seu torcedor mesmo quando não consegue ganhar – garantiu Renato Paiva, à Botafogo TV.
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Missão no Botafogo
– Gosto de fazer parte desta história, que eu estou convencido que nós vamos aumentar a qualidade e a dimensão desta história ganhadora do Botafogo e, de fato, considerar-me um privilegiado por ter 30 dias para trabalhar com o elenco. Era melhor o que estar a disputar título, mas não é possível e, como eu digo, vamos encontrar a solução dentro deste problema e a solução, é claro, é que chegue um treinador novo que não vai mudar coisas radicais. A base, como já disse, é muito boa, é uma base ganhadora, um elenco com muitíssima qualidade, com muita experiência e, portanto, aquilo que nós vamos fazer é, de fato, a área que eu mais gosto, que é o treino.
Período de treinos
– Eu gosto mais do treino do que do jogo. Adoro o treino, sou um fanático do treino, dou muita importância àquilo que é o momento do treino. Tentamos que o treino seja muito direcionado para aquilo que o jogador gosta, sem perder a responsabilidade da exigência e daquilo que é ensinar. Não ensinar, é passar o jogo que nós queremos que eles pratiquem dentro de campo, mas vamos aproveitar esse tempo para revitalizar essa base ganhadora, essa base de jogo que foi considerada um dos melhores no Brasil, durante algum tempo, e essa é a nossa responsabilidade. Eu estou convencidíssimo com o tempo de treino que nós vamos ter, com a capacidade e o conhecimento que muita comissão técnica tem. A forma muito próxima como nós trabalhamos e chegamos aos jogadores, eles vão rapidamente perceber as nossas ideias e, dentro daquilo que eles já têm, nós vamos fazer aqui um upgrade para tentar ser um Botafogo ainda melhor e ainda maior.
Forma de se preparar
– Eu olho para a pré-temporada, se podemos considerar pré-temporada, que normalmente eu gosto de seis semanas, mais ou menos, de pré-temporada, mas eu gosto de olhar com uma base geral daquilo que eu quero que os jogadores façam. Depois há a questão do detalhe, da estratégia, que tem muito a ver com o adversário, com quem vai jogar, e isso é mais trabalhável no vídeo, no treino da recuperação, naquele treino antes, se só tiveres dois dias para treinar, naqueles dois treinos em que eles quase só caminham no campo, estão a recuperar ao mesmo tempo, mas estão a receber a informação sobre como é que ataca com o adversário, como é que defende o adversário, como é que nós queremos contrariar isso. Mas a base obviamente tem que ser trabalhada neste mês que nós temos, e obviamente preparar os jogadores para algumas situações diferentes. Porque como eu disse na apresentação, eu, as minhas, as nossas equipes, são conhecidas e caracterizadas pela forma diferente como atacam. Podes jogar mais curto, podes jogar mais longo, podes entrar por dentro, por fora, esta diferente forma de ver o jogo ofensivo torna muito mais difícil a quem defende, porque acabas por ser uma equipe imprevisível. E eu obviamente gosto de um jogo apoiado, gosto de um jogo associativo, gosto de um jogo em que a equipa esteja junta e joga junta, mas se tu puderes chegar à baliza do adversário, ou a gol do adversário, em dois passes, ou nu, fantástico, melhor ainda, só que vai haver momentos em que tu não vais conseguir fazer isso. Então a tua pergunta é excelente, porque eu já passei por isso no futebol brasileiro, ia recebendo jogadores, com 25 jogadores novos, com um elenco completamente novo, do zero, e sem tempo para treinar, isto de fato foi muitíssimo difícil.
Dois times
– Aqui, como eu já disse, já está a base, que nós vamos receber, vamos ter este mês para sedimentar esta base e as nossas ideias, e depois, nos poucos espaços que vamos ter, vai ser o vídeo, e vai ser, como eu disse, aquele treino quase a caminhar, quase muito tático, que se enquadra na recuperação. Segredo para isto é olhar para um elenco, como dizia o John, tem que ser quase dois. Porque se tu jogas sempre com o mesmo 11, com um calendário destes, não vais conseguir aguentar, porque os jogadores vão perder rendimento e o risco de lesão vai ser muito grande. E a mim, eu prefiro perder o jogador num jogo, protegendo-o fisicamente, do que perder o jogador um mês, ou dois, e vai perder oito jogos, ou nove, ou dez. Portanto, no entanto, eu não vou chorar nem vou queixar de nós não termos tempo para treinar, porque isso é muito bom sinal. É sinal que nós estamos disputando competições, jogando para ganhar, disputando títulos, e nós queremos ir até o último dia sem ter tempo para treinar. Se nós chegarmos ao último dia sem ter tempo para treinar, é sinal que nós estamos nas decisões, nós estamos nas finais, nós estamos ali no momento de ganhar, e isso é aquilo que eu mais quero, mas a base vai começar exatamente neste momento.
Experiência no Bahia
– Obviamente, quando tu chegas a uma realidade que já conheces, é muito mais fácil a tua análise do quando chegas a uma realidade que é tudo novo para ti. E, obviamente, do bom e do mau, estes nove meses no Bahia foram um aprendizado muito grande, haveria coisas que eu não voltaria a fazer, haveria coisas que eu repetiria. Mas foram, de fato, nove meses muito exigentes, dentro daquilo, como bem dizes, que é um calendário exigente, e o Bahia sem jogar a competição internacional. Não é? Copa do Brasil, Estadual, Copa do Nordeste e Campeonato Brasileiro. Mesmo assim, eram quatro competições. Óbvio que essa experiência me abre muito mais os horizontes e os olhos em relação àquilo que eu posso fazer aqui. No entanto, tenho que dizer que são duas realidades em contextos completamente diferentes. Quando chega ao Bahia é o ano zero, não há elenco, contratas 25 jogadores novos, que é um elenco completamente novo, o Grupo City é pedir que tu jogues dentro das linhas, das guidelines do que é o Grupo City, Manchester City, e tu teres que colar isto tudo. Como te digo, na pré-temporada chegaram 12 nomes, os outros foram chegando ao longo da época, e já não tinhas tempo para treinar. E, portanto, isto foi-te dando uma estrutura de percepção, de análise, corrige, erro, correção, análise, muito grande.
Diferença para o Botafogo
– No Botafogo, a realidade é diferente. É uma realidade, como já disse, de um grupo que está feito, saíram alguns jogadores, é verdade, mas entraram outros, a reposição é muito boa, de um grupo que está feito e que é ganhador, onde eu não tenho que fazer uma revolução ou não tenho que começar do zero. O que eu tenho que fazer é, o que eu vou fazer é aproveitar de fato muita coisa do que está e pôr o nosso olho pessoal em alguns erros que nós vimos nestes últimos jogos, que há erros, e esses erros por acaso até acabam por resultar em gols, corrigir essas situações, mas sem criar uma revolução. Portanto, são realidades diferentes, dentro do mesmo calendário, e isso obviamente ajuda bastante.
Ser escolhido
– É, porque não vale a pena esconder, há um processo largo de pesquisa, estudo e escolha de treinadores, assumindo pelo John. Muita gente olha para o próprio meio vazio, eu prefiro olhar para o próprio meio cheio, não sei se vocês dizem isto aqui no Brasil. Sim, sim. Eu prefiro olhar para o próprio meio cheio, o meio vazio é, ah, tu foste o último, porque os outros não fizeram, é uma perspectiva de vida, eu, para mim o próprio meio cheio é, eu fiz parte de um grupo de gente muito importante no futebol brasileiro e mundial para poder ser treinador do Glorioso, mas o escolhido fui eu.
– Portanto, estou orgulhoso de fazer parte deste grupo, orgulhoso pelo meu nome estar durante algum tempo no meio desses nomes e orgulhoso por ter sido escolhido para esta missão tão bonita e tão desafiante como é treinar um clube desta dimensão e com esta história. Os sinais de sair com o luto difícil do Toluca em que não estávamos à espera depois do trabalho magnífico, na minha opinião, repito, porque os números estão aí, fizemos. Não só os números, a forma como a equipa jogava, e nós na família dizíamos, é que português tem alguma coisa melhor para ti, e são estes sinais de Deus que foram ao longo da minha vida, enquanto decisões difíceis elas foram quase sempre influenciadas por esses sinais, e graças a Deus trouxeram-me aqui. Hoje eu percebo porque é que houve aquele sofrimento ou aquele luto, aquela decepção, frustração de sair de um projeto que estava a caminhar tão bem, uma decisão superior que obviamente nós temos que aceitar, mas hoje eu percebo que algo melhor estava reservado, e daí eu dizer que fui o escolhido, fui o escolhido pelo John, mas eu acho que já tinha sido escolhido pela entidade superior que nos comanda e aconselha. Portanto, isso para mim é fundamental, e é uma história depois de entrevista, de eu ao fim e ao cabo fazer o que faço, dizer o que sou, mostrar o que sou, eles puderam ver jogos das minhas equipes a jogar, tinham detalhadíssimo o meu perfil enquanto treinador. Um profissionalismo extraordinário, quando cheguei eles disseram isto, esta foi, totalmente descrito a forma como as minhas equipas jogam, com as suas virtudes e defeitos, são equipas perfeitas, mas muito próximo daquilo que este gabinete de inteligência e análise fez sobre nós e nossa forma de jogar. E esta entrevista depois acabou por correr bem, esta análise toda, perceber que de fato este era o momento indicado para escolher, para eu chegar, perdão, ainda mais no momento em que eu vivo no Rio de Janeiro, e todos estes sinais acabam por vir para dizer, vai estar no clube certo, no momento certo, na hora certa.
Sucesso de técnicos portugueses
– Assim, eu não gosto muito de olhar isto na perspectiva da bandeira, do nacional, se eu falar em Fernando Diniz, em Jardine, em Tite, que eu gosto de falar, Dorival Júnior, Renato Gaúcho, estou a falar de grandes treinadores brasileiros. Portanto, eu não olho isto pela bandeira, e também chegaram treinadores portugueses ao futebol brasileiro que não tiveram sorte, não conseguiram os seus objetivos. Eu fui um deles, no Bahia, por muitas coisas. Treinadores que não conseguiram entregar aquilo que se estava à espera. Não nos faz nem piores, porque o contexto também define muito aquilo que tu és nesse momento. Por isso é que eu digo que o Toluca foi o melhor trabalho que nós fizemos. Eu não era ruim do Bahia e nunca me senti assim. Agora, os contextos definem muito aquilo que tu és e da forma como trabalhas. Agora, é verdade que, por exemplo, no Independiente Del Valle, nós fomos o 37º português a ser campeão em 37 países diferentes do mundo. Há 37 países em que o português foi campeão. Também são sinais, também alguma coisa diz que a nossa escola tem alguma qualidade. Fiquei surpreendido quando chega Jorge Jesus porque praticamente só cá tinha estado Paulo Bento e não estava com um trabalho no Cruzeiro muito interessante. E é o Jorge com o seu êxito, porque isto é de ganhar, porque isto é de ter êxito abre a porta por um extraordinário trabalho que fez. E depois há o seguimento do Abel, que ganha, não ganha só uma vez, está lá em cima e quando não ganha, compete. Chega o Artur e faz o que faz aqui no Botafogo. O próprio Luís Castro neste Botafogo, eu estou convencido, não gosto de futurologia, mas estou convencido de que se ele não sai ele tinha sido campeão com a vantagem e a gestão e como a equipe jogava que ele tinha nesse momento. Portanto, eu gosto de falar em competências em vez de falar em bandeiras.
– Agora, não há dúvida que há uma escola de treinadores portugueses com muito êxito que se caracterizam por uma adaptação muito rápida às realidades que eles encontram, uma capacidade de se adaptar muito rápido, de chegar e ser logo um dos que estão, um da família mais, sem chegar e radicalizar e cortar tudo e mudar tudo. O treinador português não tem esse hábito, é um treinador de adaptar e de fazer parte, de agregar, mas é um treinador estudioso, gosta muito da tática, gosta muito de estudar o jogo, até às vezes de forma exagerada, porque eu digo que na Europa a tática é tanta que às vezes estrangula aquilo que é a criatividade, a fantasia, estes jogadores mais que a gente diz que desapareceram, os tecnicistas, às vezes é a tática que dá a cabo deles, os faz desaparecer, mas pronto, é um bocadinho isto. Eu não vejo por bandeiras, vejo por competências e como disse, houve alguns portugueses aqui no Brasil que não tiveram êxito, como não tiveram noutros países e houve outros, na Inglaterra uns ganharam, portugueses outros não ganharam, brasileiros uns ganharam aqui, por exemplo, anos 80 e 90, a influência brasileira em Portugal é decisiva em termos de treinadores e de jogadores.
– Nós tivemos durante muito tempo no Benfica, no Porto, no Sporting, a coluna vertebral da Seleção Brasileira, entre Ricardo Gomes, Mozer, Aldair, Valdo, Gomes, Geraldão, por aí fora, estava lá a coluna vertebral da Seleção Brasileira, Otto Glória, Marinho Pérez, Abel Braga, todos estes nomes, Luís Filipe Scolari, que fez uma revolução no nosso futebol e é senhor, que eu emociono quando falo do Scolari porque ele é muito mais que um treinador e conseguiu mover um país, o Scolari conseguiu mover um país e tenho muita pena que naquela final contra a Grécia ele não tenha conseguido a cereja no topo do bolo que era fazer-nos campeões da Europa, mas o trabalho dele é absolutamente extraordinário no futebol português. Isto é o ciclo, se nos anos 70, 80, 90 o futebol brasileiro foi decisivo para a evolução do futebol português, hoje em dia se calhar é um bocadinho a influência portuguesa também é muito importante para o desenvolvimento do futebol brasileiro e se calhar daqui a 5, 10 anos nós vamos receber uma vaga de treinadores brasileiros que dizem que se calhar não é preciso trazer treinadores estrangeiros. Eu vejo as coisas assim.