John Textor tem razão. A frase já ficou no famosa no futebol brasileira e cada vez faz mais sentido. O empresário norte-americano denunciou manipulação de resultados no Brasil, o que fez ser duramente criticado pela imprensa e por outros clubes. Mas já há quem perceba que as declarações do acionista da SAF do Botafogo têm fundamento.
Senador integrante da CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, Carlos Portinho deu entrevista interessante ao canal do jornalista Wellington Campos sobre o caso. Ele tem convicção de que o problema existe.
– É uma caixa sem fundo, não é só preta não, infelizmente. Azar do futebol. A gente vem desde as denúncias do Textor investigando o que no imaginário popular sempre aconteceu. Antes das bets, poderia ser por acesso, descenso de um clube, rebaixamento e, a partir das bets, com interesse financeiro. A gente sabe dos problemas do futebol brasileiro, são muitos, clubes que atrasam o pagamento do salário, árbitros que ganham mal, que não foram profissionalizados, que é um tema importante a se debater, a gente sabe que há dirigentes que rifam os seus próprios clubes e terceirizam os departamentos de futebol e a gente já sabe, através do depoimento do membro do Ministério Público de Goiás, que desbaratou a manipulação no estado, a partir de uma denúncia do presidente do Vila Nova, que há células de manipulação que transitam no território nacional. Em um campeonato estão no Mato Grosso do Sul, no outro vão para Alagoas, no outro vão para a Paraíba, passam pelo Rio, estão em São Paulo – explicou Carlos Portinho.
– E o que o depoimento do William Rogatto traz, parte dele pode ser o depoente se vangloriando, talvez até do que não fez, mas quero lembrar que ele tem três mandados de prisão, ou seja, os crimes que ele cometeu de manipulação já são investigados e eu não tenho dúvida que muito do que ele falou ele tem prova e tem uma dificuldade apenas nesse momento, porque ele é foragido, de montar uma estratégia para que poder trazer essas provas e ter algum benefício por isso, porque a gente precisa de uma delação premiada. A gente precisa de uma negociação para que a gente saiba quais são os outros peixes e se existem peixes maiores. Como ele diz, ele é o segundo maior manipulador, ele diz que tem um primeiro. E a gente viu ali denúncia de manipulação na Série D, Série C, Série B, o que para mim isso é certo, e também ele fala da Série A, o que demanda ainda mais prova. Série B, Série C, Série D, a gente já tinha lá na CPI os alertas da Sportradar, mais de 200 partidas em 2023, nos anos anteriores um número semelhante, esse ano dizem que diminuíram os alertas. Que bom, isso mostra que a CPI está jogando luz no problema e talvez aqueles que manipulam estejam tendo mais cuidado, mas isso não deixou de acontecer, continua acontecendo e há uma inércia e uma negação não só da CBF, mas também tenho que dizer de parte da imprensa. É mais fácil a gente negar do que enfrentar o problema. A CPI tem algumas limitações, mas a gente já viu que não foi choro de perdedor, não é porque o Botafogo perdeu um campeonato, isso existe, não é história da carochinha. O primeiro sintoma é a negação, infelizmente. Para a gente resolver o problema, a gente tem que admitir que há manipulação no futebol brasileiro, aliás no futebol mundial. Se há manipulação desde 2009 no escândalo da Uefa, o caso Paquetá recente na Inglaterra e tantos outros acontecendo, por que o Brasil estaria imune a isso? – indagou.
Wellington Campos perguntou a Carlos Portinho se já há alguma conclusão sobre as denúncias feitas por John Textor.
– A cada dia eu estou mais certo de que há alguma coisa. É uma prova muito difícil, eu que já fui advogado esportivo e já vi casos de manipulação e com a dificuldade de prová-los e comprová-los. Inclusive o depoimento do próprio manipulador essa semana na CPI, do William Rogatto, ele fala que, eu perguntei a ele se algum caso julgado pelo STJD foi manipulado e houve absolvição, ele falou “o meu”. Ou seja, é uma prova de que o STJD, como eu digo, ele também tem suas limitações, ele não tem poder de polícia, ele tem que agir após o Ministério Público, os elementos de prova do Ministério Público e, para isso, a CBF precisa criar um fluxo desse processo. Quando ela recebe um alerta, uma denúncia de manipulação, qual é o caminho até chegar ao STJD passando pela Polícia Federal, pelo Ministério Público? Há algumas iniciativas, mas esbarram também na inércia do próprio governo.
Leia outras respostas do senador:
CPI pode prender?
– Havendo prova concreta sim, podemos mandar prender, podemos até prender na própria instrução da CPI, caso o depoente minta e a gente comprove que ele mentiu. Agora, o que eu pretendo fazer é oferecer para o futebol brasileiro medidas, ou seja, construindo para que ele se transforme em algo melhor, mais seguro, com instrumentos, com ferramentas de controle de manipulação que hoje não tem. Eu posso dar alguns exemplos. Não há um canal de denúncias que proteja a integridade, a identidade daquele que denuncia. Amanhã tem o familiar de um atleta que quer denunciar, como é que ele faz? Então a gente tem que preserVAR, como é o Disque Denúncia, por exemplo, que é um órgão da sociedade civil com credibilidade, que a gente sabe que a identidade é preservada. A gente precisa obrigar que haja num acordo com a CBF um contrato de não corrupção, porque não são só atletas, não é só família futebol, é federação, atletas e árbitros, clubes, a gente tem patrocinadores, casas de aposta, todos eles, a cada campeonato, já que liberaram o jogo, e eu votei contra, registro, mas já que liberaram, tem que ter um contrato de não corrupção. Não que vá impedir a corrupção, a manipulação, mas vai inibir, vai prever penas maiores do que o próprio CBJD. Penas, por exemplo, de natureza civil, porque qual é o tamanho de um dano financeiro que uma manipulação causa ao futebol brasileiro, em geral, ao futebol de um estado, a um torneio, aos patrocinadores que estão investindo nisso, então todos esses, têm que, antes do campeonato, fazer um acordo de não corrupção.
VAR no Brasil
– Outra medida que a gente já viu interessante, com respeito aos protocolos do VAR, que precisam ser revistos imediatamente, há inovações acontecendo pelo mundo, está sendo testado o desafio, como há em outros esportes, no vôlei, no tênis, talvez esse seja o melhor caminho, sim, mas a gente precisa, com o que tem, melhorar, aperfeiçoar. As câmeras, por exemplo, que a CBF se vale das emissoras, nenhuma é 4K, isso já foi respondido. As câmeras das TVs não são 4K, as únicas duas câmeras 4K no jogo são justamente aquelas que ficam na linha do gol, para dizer se a bola passou ou não, e essas são da própria CBF, para ver que ali, a imagem é infalível, porque 4K, você consegue ampliar a imagem sem perder o pixel. Quando você usa uma câmera normal, HD, o lance do corner, do Arrascaeta, outro dia, que disseram que ele bateu duas vezes na bola e ninguém via aquilo, não sei nem como chegar naquela conclusão, na hora que você aproxima, você perde nitidez e como é que marca uma linha de impedimento dessa maneira? Então tem que ter investimento tecnológico, o tal do VAR automático ou semi-automático, que é aquele que a Federação Inglesa usa, por que não? A gente é o maior futebol do mundo, não é? Então tem que investir na segurança, nos instrumentos de controle, para que a gente não possa deixar dúvidas, já que escolheram as apostas.
Papel do governo
– O governo se preocupou com uma lei de apostas para arrecadar, mas não se preparou para ela, tanto que jogaram só para o ano que vem a regulamentação. Agora as empresas de apostas estão lucrando sem pagar um tostão, um imposto para o governo, para a gente, dinheiro público, que deveria estar entrando nos cofres através de impostos. Isso só vai acontecer no ano que vem. O governo federal, eu estive no Ministério da Justiça essa semana, precisa centralizar no Ministério Público Federal e na Polícia Federal, através de um grupo tático especial criado com esse propósito, juntando o Secretário Nacional de Esportes, juntando a Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Eu tenho defendido que são crimes federais, corrupção, lavagem de dinheiro, crime financeiro, são, por sua essência, crimes federais.
– Então, todos os casos de manipulação, de erro, de denúncias, têm que ser concentrados no Ministério Público Federal. Os ministérios estaduais são maravilhosos, o de Goiás merece uma estátua, mas não dá hoje, que a gente sabe que células transitam no território, para você ter investigação no Ministério Público do Mato Grosso, outra no Ministério Público do Alagoas, outra no Ministério Público da Paraíba, e elas não se interligarem, quando, na verdade, os atletas são os mesmos, o manipulador é o mesmo, o que difere é o clube. “Ah, mas o campeonato é estadual”. Não interessa, a corrupção do resultado esportivo afeta todo o futebol brasileiro, acontece em todo o território nacional e são crimes federais. Há uma inércia do governo, já deveria amanhã estar montando um grupo tático de trabalho especializado só nos casos de manipulação. Não escolheram as apostas? Eu queria ter criado esse grupo na lei. Me falaram, “não, manda o dinheiro para o Ministério Público, uma parte dos recursos de aposta para a Polícia Federal”. Só que a gente sabe que a gente manda o dinheiro e continua os mesmos problemas, falta de pessoal, remuneração adequada, falta de tecnologia. É preciso um grupo tático e o governo erra também nisso.
Exemplo da Ferj
– Eu posso dizer que, por exemplos de condutas e protocolos, a Federação do Rio de Janeiro, ela tem, na minha opinião, entre todas, ela está na frente até da própria CBF. Para dar um exemplo, só um, o contrato que ela tem com a SportRadar é um contrato completo em que a SportRadar não só manda o alerta, mas manda todo o detalhamento do porquê desse alerta. A CBF, ela se aproveita de um contrato da FIFA, que, na verdade, tanto a FIFA quanto a CBF é quem devia estar bancando esses contratos em todos os campeonatos, porque tudo é futebol e ela é a dona da franquia futebol. Só que esse contrato da CBF, feito pela FIFA, não é um contrato full, não vem com todas as informações, não vem com análise. Os técnicos não estão dispostos por esse contrato, obrigados a ir a juízo, quando é o caso, para comprovar o porquê que foi dado o alerta. A Federação do Rio, nesse aspecto, está muito na frente, inclusive na parte de punição e de identificação de casos. Muitos, inclusive, mandados pelo Ministério Público Estadual, que se acumulam sem um andamento. Infelizmente, por isso, a necessidade de reunir, na minha opinião, tudo isso num grupo tático reunido, Ministério Federal e Polícia Federal.
Recado ao torcedor e à imprensa
– Para o torcedor, eu quero dizer que não desista do futebol e não faça apostas, porque a banca sempre ganha. Às vezes não por manipulação, mas por programação da máquina, como no jogo de cassino. O torcedor deve apoiar todas as iniciativas que nós estamos tomando, que é para o bem do futebol brasileiro. E aí, eu queria mandar um recado para jornalistas. Jornalistas de São Paulo, que eu tenho ouvido, e vou dizer os nomes, Juca Kfouri, que eu respeito muito, PVC, que, para mim, é um dos maiores jornalistas do futebol brasileiro. A negação é o pior sintoma. É como o dependente em álcool. Enquanto ele não assumir a sua dependência, ele não vai melhorar. Reconheçam que manipulação existe, e não é só no Brasil, é no mundo, e o Brasil não estaria imune a isso. Reconheçam que já há casos, em São Paulo, o próprio manipulador disse que a Série A-2 era objeto de manipulação dele. E esses atletas, eles estão hoje na Série A-2, amanhã eles estão na Série A, inclusive do Campeonato Brasileiro. A negação atrapalha as investigações. Eu também gostaria de chegar lá cheio de prova, pegar o William Rogatto e lhe entregar tudo, mas ele está foragido, ele tem três mandados de prisão contra ele, e não é à toa, podem ter certeza. Houve manipulação em diversos jogos que ele participou, e o de Santa Maria, do clube lá do Distrito Federal, é apenas um deles. Esteve na Paraíba, esteve em Alagoas, esteve no Mato Grosso do Sul. Árbitros, atletas, eles rodam os campeonatos, e se há um dono deles, e esse dono declara e é réu confesso, então há alguma coisa. É um serviço importante que a imprensa faz em dar luz a isso. Isso não prejudica o futebol brasileiro, não. O que prejudica é a gente não encarar os fatos e não aperfeiçoar os sistemas de controle.