Senador ativo na CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, Carlos Portinho concedeu entrevista ao podcast “PodGolRio”, deu suas impressões sobre o assunto, garantiu que há manipulação no futebol brasileiro e prometeu apresentar sugestões à CBF.
O político não é favorável à convocação de Lucas Paquetá, do West Ham, e Luiz Henrique, do Botafogo, para prestarem depoimento.
– Eu relutei muito para aderir à CPI, porque eu também tenho essa impressão (de que muitas não avançam). Até porque, muitas vezes, os órgãos de fiscalização e o Ministério Público e têm muito mais instrumentos do que uma CPI. Você sabe que se a pessoa quiser chegar lá e não falar nada, ela vai lá no Gilmar Mendes, pega um habeas corpus, chora no colo e vai para a CPI e não fala nada. Inclusive aconteceu já nessa CPI e em muitas outras. Eu acho que quando os órgãos de fiscalização funcionam, não há necessidade de CPI. Por exemplo, agora estão querendo leVAR o Paquetá lá, e por consequência do depoimento do Paquetá, eventualmente levar até o Luiz Henrique. Eu sou absolutamente contra. Primeiro porque o Paquetá já está sendo investigado num caso sério lá na Inglaterra. Lá é o foro dessa discussão e a CPI não tem nem instrumentos para exigir nem cópia desses documentos, porque isso corre lá nesse foro específico. Muitas vezes a CPI se transforma num palanque por essas coisas – explicou Portinho.
– Mas o Romário me convenceu a assinar e a ingressar na CPI quando ele me trouxe a seguinte questão “O que eu quero investigar é por que as casas de aposta que sabem que há manipulação, nada fazem”. E realmente eu pensei nesse argumento do Romário. E está se comprovando. Eles são, como disse o procurador do Ministério Público de Goiás, que desbaratou o caso do Vila Nova, que o presidente cortou na própria carne denunciando seus atletas, ou seja, manipulação existe, vamos deixar isso claro, mas o Ministério Público disse que as casas de aposta são vítimas desinteressadas. E é exatamente isso. Não necessariamente a casa de aposta participa. Na maioria das vezes, inclusive, ela é vítima. Só que ela é uma vítima desinteressada, quando ela deveria ser, já que brigaram tanto por essa porcaria de jogo… Desculpe, eu votei contra, sou contra, isso é uma desgraça para a família. Digo para todos, não apostem. Futebol, esporte, não é aposta. Quer apostar, aposta lá na corrida de cavalo, aposta lá nos Jogos da Caixa Econômica Federal. Futebol é disputa, é competição, e não é um jogo de azar. Esse é que é o erro. A gente está trazendo o jogo de azar para dentro do futebol. O jogo de azar é um jogo aleatório ou manipulado – acrescentou.
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Casas de apostas
– O que fazem as casas de apostas? A gente ainda vai chegar nas casas de apostas, a gente ainda não entrou nessa seara, porque a partir das denúncias que vieram de uma audiência pública anterior com a Good Game!, em cima do que aconteceu no Campeonato Brasileiro do ano passado, que o John Textor apresentou, a gente achou que havia indícios. Eu sempre disse isso, inclusive, quando o John Textor esteve lá na CPI, falei para ele próprio, falei “o erro é que você está chamando de prova o que são indícios”. Prova não tem. A prova da manipulação é uma prova muito difícil. Não tenho a expectativa, com toda sinceridade, de que a gente vai conseguir provar. Mas a gente vai levantar elementos que podem ser encaminhados e deverão ser encaminhados ao Ministério Público, porque ele, com os instrumentos que tem, que são maiores do que os nossos, inclusive, o próprio poder de polícia, o aparato policial, ele vai ter condições de desbaratar essas quadrilhas. A gente já identificou o resultado da CPI, que são células que vagam no território brasileiro. Então, uma hora o cara está no campeonato do Mato Grosso do Sul, outra hora ele vai para o campeonato de Alagoas, outra hora ele vai para a Série A-2 de São Paulo, embora os jornalistas de São Paulo insistam em negar que isso existe, manipulação. O próprio segundo maior manipulador, o William Rogatto, que está foragido, três mandados de prisão, esteve na CPI e disse que manipulou a Série A2, que ele tinha jogador, que ele tinha árbitro, que manipulou o campeonato do Rio de Janeiro. Lógico que não foi a Série A. Na grande maioria, a gente sabe que a manipulação está nos jogos de Série B, Série C, Série D, mas Série B dá acesso à Série A. Jogador que joga na Série D e participa de esquema, amanhã pode estar jogando na Série A. O que eu me bato é que o que a CPI pode jogar à luz é que as pessoas parem de negar que isso existe. Isso existe no mundo. Eu estava em 2009, na Europa, fazendo o julgamento, não me lembro se do Jobson ou algum outro na Corte Arbitral do Esporte, quando estourou o caso da UEFA. A UEFA. O campeonato da UEFA estava envolvido em manipulação. De lá para cá, eles criaram grupos táticos especiais com a Polícia Federal, com o Ministério Público, e apertaram a fiscalização. O problema é que a gente, hoje, no Brasil, a gente está negando que isso existe. Esse é o pior sintoma. Quando a gente nega, a gente não está disposto a investigar. O que a CPI vai fazer é investigar e o que eu acho que, de melhor para o futebol, que é o que me preocupa, de onde eu vim, eu sinto que eu tenho legitimidade, não podia ficar fora dessa CPI. Eu sou suplente nessa CPI, eu não sou nem o titular, eu não voto. Meu voto não é válido se tiver os outros dois titulares. Mas o que eu acho que a gente pode levar, além de jogar luz sobre esse problema, que vem desgraçando o futebol brasileiro, o esporte e as famílias, é recomendações para a CBF.
Sugestões à CBF
– São recomendações que a CBF já tem conhecimento de muitas e que já deveria estar aplicando. Por exemplo, por que que o John Textor meteu a boca no trombone? Resposta simples. Porque não tem um canal de denúncia que preserve a integridade. Amanhã, se o irmão de um atleta perceber que ele está manipulando e quer denunciar, incógnito, como é que ele faz isso? Ele vai botar a boca no trombone e se expor para a família? Se tivesse um canal de denúncia, um Disque-Denúncia, como a sociedade confia, um Disque-Denúncia do futebol, um acordo da CBF, teria um canal de comunicação para denúncias, preservando a identidade, e isso é fundamental. A Fifa tem, há mais de 10 anos, um aplicativo de celular onde você coloca áudio, foto, vídeo. Se você tiver conhecimento, você faz a denúncia de forma incógnita, preservando a sua identidade. O futebol brasileiro continua negando que isso existe, enquanto a própria Fifa já tem instrumentos tecnológicos e públicos para isso.
– Precisa um contrato de não corrupção. “Mas por que, Portinho? Isso vai evitar?” Não vai evitar, mas vai inibir, vai prever penas maiores do que as penas esportivas, maiores até do que a pena criminal, que dói no bolso. Quando dói no bolso, todo mundo sente. Então você fazer, trazendo patrocinador, trazendo as redes de TV que têm os direitos, trazendo os apps, os clubes, os atletas, vai ter que fazer isso. Um acordo de não corrupção antes de todos os campeonatos, onde preveja multas milionárias, indenizatórias, que isso é possível de natureza civil e só é possível em um acordo de não corrupção. Quanto vale uma dúvida sobre o resultado de um Campeonato Brasileiro? Quanto vale a manipulação do Campeonato Brasileiro? É preciso que isso esteja lá em números, para que iniba aqueles que queiram manipular em todas as séries do nosso campeonato. Vai dar trabalho, mas infelizmente escolheram as apostas. Dentre outras medidas, a gente já levantou na CPI, as câmeras de TV, que são fornecidas para o VAR, elas não são 4K. Elas são HD. 4K só tem duas câmeras no jogo, que são da CBF, as únicas. É aquela que fica na linha do gol. Não à toa, porque ali você tem que ter a precisão para saber se a bola passou ou não passou. Agora, o pessoal está marcando impedimento em cima de uma câmera HD, que na hora que você amplia, ela perde definição. Você pode botar um centímetro para lá no ombro, um centímetro para cá, que dá no mesmo.
Escolha de imagens no VAR
– Isso surgiu de uma denúncia do Textor, no jogo Palmeiras e Botafogo, na expulsão do Adryelson. Em que a gente tinha uma câmera conosco que não foi exibida. Era uma câmera do gol do Botafogo, que pegava a jogada na linha e conseguia aproximar e ver que o Adryelson tocou na bola. A questão, se isso era determinante ou não para a marcação da falta, eu não estou discutindo isso. Se foi falta ou não foi. Só que o depoimento do Seneme deixou claro que uma coisa é você ter que mandar para campo as melhores imagens. OK, você vai mandar as melhores, mas não significa que você possa subtrair uma imagem num ângulo que seja favorável à decisão do árbitro. O que está acontecendo hoje no futebol brasileiro, pela falta de um protocolo mais rígido de uso do VAR, é que ninguém sabe mais quando é que pode ou não pode usar o VAR. O torcedor quer que use todo o lance. A arbitragem usa quando quer. Às vezes ela chama o árbitro, às vezes ela não chama o árbitro. Às vezes o árbitro vai na cabine do VAR, às vezes ele fica escutando ontem o lance do impedimento. Ele ficou só escutando. Tudo bem, vai marcar a linha, ele não precisa ir. Mas por que demora tanto? Às vezes, lances burros. Então, os protocolos têm que ser mais rígidos, mais seguros, mais transparentes, para que todo mundo entenda quando é usado. O Manoel Serapião Filho, que foi árbitro-Fifa, esteve lá na CPI, ele elucidou muito, porque ele disse que ele é o pai do VAR. Ele que sugeriu à Fifa, lá há 15 anos atrás, a criação desse instrumento para ajudar. E ele sabia que você não ia poder ter em toda partida de futebol o VAR. E o que ele recomendou na época é que o VAR fosse usado só para lances óbvios. Então, a primeira regra do VAR é que ele só interfira quando a cabine do VAR tem como dar elementos ao árbitro de forma que ele, árbitro, no campo, não é a cabine do VAR, decida, porque o lance era óbvio.
VAR semiautomático
– Eu vi o presidente do Atlético-MG, entre algumas besteiras, falar uma coisa que a CPI já vem recomendando à CBF há muito tempo e vai estar na conclusão final, que é a adoção do VAR semiautomático. Por que na hora que você vê um jogo de Copa do Mundo, a decisão é mais rápida e a decisão é clara, é evidente, você consegue ver claramente que a linha está bem marcada. Porque é o tal do VAR semiautomático que usa inteligência artificial e que é um pouco mais caro, mas a gente está falando do maior futebol do mundo, que é o futebol brasileiro. Certamente a CBF é responsável, porque ela é a Confederação Brasileira de Futebol. Ela é responsável, ela é dona da franquia futebol. É melhor a autorregulamentação da modalidade pela sua autonomia desportiva. O senador Nelson Trad queria que a gente regulasse o VAR, que as decisões fossem faladas no estádio, a razão do porquê que o árbitro tomou aquela decisão e queria que as imagens do lance, aonde tivesse telão fossem reproduzidas. A gente fez uma audiência pública e isso inclusive já foi até resultado do nosso trabalho, antes da CPI, e a gente mostrou pra CBF e ela concordou que deveria adotar o que a Fifa já estava adotando, que é o árbitro falar o porquê da sua decisão. Então você vê hoje nos campos o árbitro diz, foi impedimento por isso, foi falta por aquilo. Isso já é um avanço. Com relação também às imagens no estádio, agora são reproduzidas. Então quanto maior a transparência e quanto mais seguro os processos, os protocolos, melhor para o esporte e mais difícil será a manipulação.
Quantidade de câmeras
– Eu ouvi alguma crítica da imprensa na época sobre isso, porque primeiro é preciso deixar claro que nem todas as partidas tem o mesmo número de câmeras. Uma partida no Maracanã tem o número X, uma partida no estádio do Criciúma é um número menor, na série B é menor ainda. Falta um padrão, deveria ser obrigatório, na série A e B tem que ter tantas câmeras no estádio, não interessa se a câmera é da CBF, se a câmera é da televisão que está transmitindo. A segunda questão é, ainda que você tenha 40 câmeras no estádio, lógico você não vai ver os 40 ângulos, porque tem câmeras que estão pegando o outro lado do campo, onde a jogada não se realizou. Não é difícil você mandar para o árbitro em campo todas as câmeras que sejam envolvidas no lance, e aí você já está reduzindo, vamos supor, de 40 pra 10.
– As imagens deveriam ser selecionadas na íntegra e enviadas para o árbitro em campo, o problema é que hoje o árbitro, que é o senhor das decisões, pela regra, pode até discordar do VAR e bancar a decisão dele. O problema é que o VAR virou uma muleta para os árbitros, e a gente sempre teve bons árbitros, mas eles estão acostumados a ficar ouvindo o que a cabine do VAR interpretou do lance, quando na verdade não interessa o que a cabine do VAR interpretou a não ser que seja a linha de impedimento que a questão é técnica. E mesmo assim a gente tem algumas críticas. Mas esses lances de bola na mão, de falta, de pênalti, se empurrou, se cotovelou, isso é decisão para o árbitro em campo, ninguém devia dar palpite pra ele, ele que tem que tomar a decisão. Ele vai acertar e vai errar. Ele já não acertava e errava? O problema é que antes você tinha três que erravam, dois bandeirinhas e um árbitro, agora você tem cinco, você tem mais seis às vezes, mais três na cabine de árbitro, de VAR. Então, você vê que fazer um conselho para chegar a uma decisão também não é a melhor solução. O que vale é a decisão de campo, é a decisão do árbitro e que as imagens cheguem pra ele e ele tome a decisão.