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Jornalista detalha ‘Jogo do Senta pra não perder de mais’: mico do Fla pro Botafogo

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Por FogãoNET

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Meu tio Júlio Lopes Fernandes (1898-1983) detestava o “Mais Querido” e eu custei a entender a razão. Esportista – aplaudia os adversários quando entravam em campo -, não vaiava os jogadores do Botafogo e apenas ficava cabisbaixo nas derrotas. Militar, não podia admitir que um clube não soubesse perder.

Até que um dia – faz tempo isso… – me relatou o verdadeiro “mico” que o “Simpaticíssimo” pagou em General Severiano, com seus jogadores sentando em campo aos 31 minutos do segundo tempo, por ordem da diretoria, para espanto e estupor (termo que aproveitei de um cruz-maltino) de jogadores, dirigentes e torcedores do Glorioso alvinegro.

Mas, afinal de contas, o que teria acontecido de tão marcante há tantos anos – exatas sete décadas – precisamente na tarde ensolarada de um domingo, 10 de setembro de 1944?

Divulgação – Diário da Noite

Árbitro Aristides Figueira, o 'Mossoró', comandou Botafogo x Flamengo
Árbitro Aristides Figueira, o popular ‘Mossoró’

Em sua inexorável marcha para a conquista de seu primeiro tricampeonato, após o discutido gol de Agustín Valido (1914-1998), na Gávea, na decisão contra o Vasco da Gama, o “Mais Querido”, até aquele dia, que entrou para o folclore do futebol carioca, perdera apenas dois jogos: o primeiro, diante do América, e o do final do turno, para o Vasco. Mas, na segunda rodada do returno, a tabela marcara um Botafogo x Flamengo para General Severiano.

Para os alvinegros, seria a oportunidade de vingança dos 4 a 1 que sofrera na Gávea, no turno. Nos rubro-negros, já bicampeão e com Zizinho comandando o ataque, a confiança era absoluta. Otimismo em relação à conquista do terceiro título seguido. E General Severiano pegou um público extraordinário. Até Domingos da Guia, que recém deixara o Flamengo, foi prestigiar o clássico.

Com arbitragem de Aristides Figueira – o popular e obeso “Mossoró” – os times entraram em campo assim:

Botafogo – Ari, Laranjeira e Ladislau; Ivan, Papeti e Negrinhão; Lula, Geninho, Heleno de Freitas, Valsecchi e Valter

Simpaticíssimo – Jurandir, Newton e Quirino; Biguá, Bria e Jaime de Almeida (pai do técnico); Nilo, Zizinho, Pirillo (que seria campeão no Botafogo em 1948), Sanz e Jarbas

Divulgação – Globo Sportivo

Torcida presente a General Severiano; no detalhe, Domingos da Guia, ídolo do Flamengo
Domingos da Guia, ídolo do Fla, na casa alvinegra

O primeiro tempo foi duro e terminou com vantagem de 2 a 1 para o Glorioso, gols de Heleno de Freitas e Valsecchi. Na etapa final, animado por sua torcida, o Botafogo chegou a colocar 4 a 1 (Valter e Heleno), o Flamengo diminuiu para 4 a 2 (Jarbas), mas aos 31 minutos, Geninho fez o quinto gol.

Começaram então as reclamações de jogadores e dirigentes rubro-negros. Para o “Esporte Ilustrado”, a bola chutada por Geninho batera na parte inferior do travessão e quicara dentro do gol para depois sair. Para Mossoró, também.

Já os jogadores do Mais Querido, Jurandir à frente, garantiam que a bola se chocara contra o travessão e voltara ao gramado. Por incrível que pareça, para muitos torcedores do Botafogo postados atrás da baliza à direita das sociais, onde mais tarde surgiriam a Avenida Pasteur e o Túnel do Pasmado, a bola explodira dentro do gol mas batera no ferro que sustentava a rede.

Formado o tumulto – com os alvinegros batendo bola à espera do reinício da partida -, os jogadores do Simpaticíssimo, obedecendo a ordens vindas do banco e dos dirigentes Marino Machado e Francisco Abreu, simplesmente sentaram-se em campo.

Quando o tempo se escoou, levantaram-se e retiraram-se para os vestiários. Na súmula, Mossoró anotou o gol de Geninho, exatamente aos 31 minutos, e o resultado da partida foi homologado pelo Tribunal de Penas da Federação Carioca, como 5 a 2 para o Botafogo.

Durante a semana, a reclamação dos responsáveis pelo departamento de futebol do Flamengo prosseguiu. E os jornais, ironicamente, passaram a chamar a partida de “O Jogo do Senta”. O Simpaticíssimo perdeu o jogo e a renda do clássico, mas seria tricampeão ao final do campeonato.

É claro que com os recursos da televisão de hoje, a dúvida seria tirada um instante após o chute de Geninho. A bola moderna, com “chip” dedo-duro, daria o gol. Mas, na época, nem mesmo as mais velozes máquinas fotográficas – as SpeedGraph – captaram o lance.

O resultado é que durante muito tempo o debate seguiu acalorado.

Para o Mais Querido, porém, foi apenas um tropeço – inesperado, obviamente – na rota para o tricampeonato. Para os torcedores botafoguenses, porém, apesar da vitória de 5 a 2, ficou um travo amargo na garganta. Numa época romântica e cavalheiresca como aquela, era imperdoável o adversário não aceitar uma derrota, principalmente por tantos gols de diferença.

Talvez esteja aí a origem da rivalidade que atravessa gerações.

Jornalista botafoguense resgata história

Reprodução

Livro 'Jogo do Senta: a verdadeira origem do chororô'
‘Jogo do Senta: a verdadeira origem do chororô’

Agora em nove de setembro, no “foyer” do Salão Nobre do Botafogo, o jornalista e professor de Jornalismo, Paulo Cezar Guimarães, lança “Jogo do Senta: a verdadeira origem do chororô”, onde resgata a história do tumultuado jogo.

PC, como o chamam alunos, amigos e os incontáveis repórteres esportivos que ajudou a formar, em anos de magistério, é um tremendo gozador e me convidou a escrever o prefácio do livro, o que fiz com grande prazer, seguindo a linha do meu tio Júlio – mezzo esportista, mezzo gozador.

O livro, que tem a chancela da editora LivrosdeFutebol.Com, do meu amigo César Oliveira, botafoguense como eu e que me deu a alegria de produzir meu livro “Botafogo: 101 anos de histórias, mitos e superstições”, será apresentado também em parceria com o programa “Botafogo Sem Fronteiras”, com o “Feijão no Fogão”, presença de velhos ídolos – como Jairzinho, Túlio Maravilha, Mauricio 89, Roberto Miranda etc., fazendo a alegria da torcida do Botafogo fora do Rio de Janeiro.

Vai vender que nem banana em fim de feira. Do outro lado, vai ser contestado à larga. Afinal, era um tempo em que não havia as papeletas amarelas e os árbitros não mudavam resultados, como em recentes Botafogo x Flamengo.

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