Da euforia ao silêncio: o dia dos botafoguenses no Mineirão

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Por FogãoNET

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Às duas da manhã de quinta-feira, o silêncio é ensurdecedor. Muito mais que os gritos da torcida cruzeirense no Mineirão. O barulho mudo dentro do ônibus durante a volta para casa doía mais do que se podia imaginar nos trinta torcedores alvinegros que viajaram pelo Botafogo até Belo Horizonte. Ninguém dormia. Todos quietos, apenas devaneavam, com um olhar para janela ou mesmo para o teto, já esperando os longos 460 quilômetros até o Rio de Janeiro. O pensamento já estava no trabalho cedo do dia seguinte, na aula cabulada, na mentira contada para o chefe para ir ao jogo. O contraste era grande com a saída, ainda na Cidade Maravilhosa, rumo ao estádio.

Quatorze horas antes, precisamente ao meio-dia, o motorista Neves saudava cada um dos torcedores com o tom de confiança: “2 a 0 sem mais nem menos”. Os sorrisos eram de confiança. As oito caixas de cervejas geladas em coolers na parte traseira do ônibus eram um brinde antecipado para a vitória certa. Da sede em General Severiano, começava a viagem daquele grupo de torcedores. Do Engenhão, outros quatro ônibus e uma van partiam com torcidas organizadas rumo ao mesmo destino, o Mineirão.

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Muitos botafoguenses que estavam no Mineirão saíram do Rio de Janeiro (Foto: Thiago Quintella)

O batuque improvisado em um dos coolers, alguns cantos mais tímidos, o hino do clube tocado no celular… tudo era para esquecer os trabalhos ou estudos deixados para trás. Alguns preferiam sequer serem identificados. Tinham inventado uma doença qualquer ou uma desculpa esfarrapada no emprego para ir ao jogo. Na realidade, nem todos usaram o artifício. Houve também quem escolhesse faltar ao trabalho mesmo, ou ainda, os que tinham horário flexível no emprego. Fotos para lembrar a viagem até podia, contanto que não fosse publicada nas redes sociais. O “jeitinho” brasileiro, sobretudo o carioca, acompanha também a paixão clubística. Cláudio Maciel, de 20 anos, estudante de gestão empresarial, já tinha comprado as passagens e ingresso quando recebeu um telefonema com oferta de emprego na manhã do dia do jogo.

– Me ligaram dizendo que fui aceito para o trabalho em uma loja e que eu tinha que estar lá meio-dia para começar. Mas eu disse que tinha um compromisso importantíssimo, já tinha gasto uma grana, e não poderia adiar. Pedi para ir amanhã às 10h, torcendo para aceitarem. Ainda bem que deu tudo certo, não podia perder esse jogo. Mas tenho que chegar a tempo – disse Cláudio.

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Entrada dos botafoguenses aconteceu pelo mesmo local da torcida do Cruzeiro (Foto: Thiago Quintella)

A chegada a Belo Horizonte se deu por volta das 20h. Antes disso, uma parada de meia hora no meio do caminho para almoço. Depois, alguns minutos mais perdidos por causa de um acidente na BR-040, que atraía olhares curiosos. Até a chegada ao Mineirão, muito trânsito. Com isso, muitos torcedores do Cruzeiro buzinavam para provocar. Os que caminhavam até o estádio identificavam o ônibus com torcedores adversários e batiam na lataria. O sinal de alerta estava ligado: o ônibus com os jogadores do Botafogo havia sido depredado, então, as janelas e cortinas deviam ser mantidas fechadas.

Com ingresso nas mãos, todos saltaram do ônibus e rumaram para o estádio por volta das 21h. Nenhuma escolta foi feita e os trinta torcedores sofreram um aperto ao saber que teriam que entrar junto com a torcida do Cruzeiro. Não havia separação ou uma entrada exclusiva para os visitantes, algo que incomodou bastante, principalmente pela demora na revista e entrada no estádio. Enquanto isso, muitos cruzeirenses passavam provocando, inclusive jogando copos de cerveja, sem a interferência dos policiais, que apenas assistiam. A revista nas mulheres também foi alvo de descontentamento.

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A torcedora Denise Gierkens exibe tatuagem em homenagem ao Botafogo (Foto: Thiago Quintella)

– Não tinha uma policial mulher para nos revistar, então pediram para nós duas voltarmos sozinhas para outra fila, onde tinha uma policial mulher. Isso no meio da torcida do Cruzeiro. É um absurdo. Pedi a presença da policial onde estávamos porque eles não podiam garantir minha segurança longe dali – reclamou Denise Gierkens, advogada, que estava junto com Gisele Resende, outra torcedora que viajou com o grupo no ônibus.

Já dentro do setor que lhes cabia, os torcedores do Botafogo passaram a provocar os cruzeirenses que ainda chegavam ao estádio. As arquibancadas já estavam tomadas de azul e branco. Apesar do bom número de pessoas no espaço, muitos botafoguenses vindos na caravana de torcidas organizadas ainda estavam do lado de fora do estádio. Uma demorada revista na barreira policial – cerca de uma hora – atrasou a chegada dos ônibus, que estacionaram por volta de 21h30 no Mineirinho. Uma pessoa responsável pela bilheteria foi recolher o dinheiro e as carteirinhas de quem tinha direito à meia-entrada para buscar os ingressos e entregar aos torcedores. Depois de meia hora, foi informado que a carga de meias-entradas havia se esgotado, para revolta dos torcedores.

– Não existe isso de acabar a meia-entrada. A lei não diz isso. O desconto é válido para todos. Nós vamos entrar com um processo contra a Arena Minas por esse destrato. Ficamos mais de uma hora dentro do ônibus para conseguir entrar no estádio. Por causa do pagamento da inteira, o presidente da organizada teve que pagar do próprio bolso a diferença – afirmou Kátia Regina de Oliveira, de 56 anos, que viaja com uma das torcidas do Botafogo por todo o Brasil.

– O procedimento é o mesmo para qualquer torcida. O que houve foi um atraso no horário combinado com a torcida organizada na barreira de revista, que fica a cerca de duas horas daqui de Belo Horizonte. Se o horário tivesse sido cumprido, esses problemas poderiam ser minimizados. Quanto às meias-entradas e ao acesso das torcidas pelo mesmo local, é de responsabilidade dos organizadores do evento – afirmou o tenente Antunes, da Polícia Militar de Minas Gerais.

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Thomaz Yuri (à direita) aproveitou as férias do trabalho para acompanhar o Botafogo (Foto: Thiago Quintella)

Com a bola rolando, alívio com as defesas de Jefferson e lamento para a chance perdida por Elias, que parou em Fábio após chute cruzado. A partir dos 30 minutos do primeiro tempo, o domínio do Botafogo em campo era comemorado em forma de canto pela torcida alvinegra, gerando vaias dos 40 mil cruzeirenses. Assim que os torcedores das organizadas entraram no estádio, o primeiro golpe. Gol do Cruzeiro. Um golaço de Nilton, que calou os botafoguenses. Após o apito de fim do primeiro tempo, o otimismo ainda se mantinha entre os torcedores, que aproveitavam para experimentar o tradicional “tropeiro” mineiro, à venda nos bares da arena.

– Tenho certeza que vamos virar. Vai ser 2 a 1 esse jogo – profetizou o torcedor Caio Araújo.

O início da segunda etapa mostrou um Botafogo mais vibrante, encurralando o Cruzeiro em seu próprio campo. Até que Rafael Marques sofreu pênalti de Bruno Rodrigo. O lance foi comemorado como um gol. Silêncio na parte azul e festa dos alvinegros. Porém, a cobrança de Seedorf foi para fora. A alegria mudou de lado. “Não é o dia”, disse um torcedor. E o drama aumentou à medida que surgiram o segundo e terceiro gols da Raposa. A sorte parecia estar do lado celeste.

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Torcedores mostram abatimento após o terceiro gol do Cruzeiro (Foto: Thiago Quintella)

Apesar do resultado, o discurso de boa parte dos torcedores do Botafogo era de que o time havia tido uma boa apresentação, à exceção do craque do time.

– O jogo foi decidido no pênalti. Se o Seedorf faz o gol, a gente ganha. O que me preocupa é que ele está mal há um tempo e acho que se ele não se recuperar, o time pode sentir junto – ponderou o consultor Thomaz Yuri, de 27 anos.

O “se”, tão comentando nas arquibancadas após o jogo, ainda foi remoído até 1h, tempo que levou para a Polícia Militar liberar os torcedores uniformizados do Botafogo. Ainda houve tempo para  um último brado de apoio, quando o ônibus com os jogadores foi avistado: “estamos com vocês”, gritavam os torcedores.

No caminho até o ônibus que os levaria de volta, o lamento prosseguia nos bate-papos: “se” o pênalti entrasse; “se” o Elias faz o gol; “se” o Jefferson pega… No entanto, o “Se” que mais abalou a noite dos torcedores tinha nome próprio. Seedorf. De ídolo a vilão em 90 minutos. Irreconhecível no gramado, o holandês foi eleito o culpado pela derrota. Mas o protesto foi mesmo em silêncio, na volta para casa durante o sono, que só veio para boa parte dos passageiros na metade do caminho. Um longo caminho, que só terminou às 9h de quinta-feira, com a chegada de volta à sede de General Severiano.

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Incrédulos, botafoguenses apenas assistem a festa cruzeirense no Mineirão (Foto: Thiago Quintella)
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